O soviet da educação

O facto de as economias de planeamento central não terem sido capazes de produzir um único bem de que os consumidores de todo o mundo desejassem possuir (podendo a AK 47 ser uma excepção) não se deveu a insuficiências técnicas na sua aplicação, mas antes à sua incapacidade intrínseca de gerir as complexidades de uma…

Tudo isto é bem sabido. Tudo isto sabe-se há muito tempo. Tudo isto esteve na base da perestroika de Mikhail Gorbatchev e no colapso da União Soviética.

Todavia, qual aldeia dos irredutíveis gauleses de Asterix, a crença na superioridade do comando central sobrevive no Ministério da Educação em Portugal, em particular nas relações com as universidades.

O exemplo mais flagrante é o do numerus clausus. Tal com na União Soviética, em que Gosplan fixava quotas de produção de aço (que, quando eram definidas em toneladas conduziam a folhas demasiados espessas ou, quando fixadas em área, a folhas demasiado leves), a Secretaria de Estado fixa o número de alunos que cada escola pode admitir, sem respeito pelas preferências quer dos estudantes quer das próprias escolas. Deste modo, alunos ficam privados de estudar em escolas que os desejavam acolher e vão estudar em escolas e cursos que não desejam. Um resultado tipicamente soviético.

Um  exemplo muito recente de práticas soviéticas respeita ao exercício de funções por professores aposentados ou jubilados. Para se perceber a dimensão do absurdo, peço que o leitor  me acompanhe na seguinte experiência de pensamento. Uma universidade pública tem ao seu serviço um prémio Nobel que fez 70 anos, lúcidos e activos. Por lei, esse cientista está agora impedido de exercer funções públicas, mesmo que graciosas – ou seja, não pode dar aulas nem orientar estudantes em universidades públicas (podendo, todavia, fazê-lo em privadas). E se o nosso Nobel tiver menos de 70 anos e  for somente aposentado? Neste caso, magnanimamente, pode dar aulas mas, mesmo que o faça a título gratuito, terá de devolver a pensão de reforma, ou seja, pagar para continuar a dar o seu contributo. 

O título da crónica não foi escolhido por acaso. Todos estes exemplos (e mais haveria) resultam de um erro original, que também foi o da economia soviética: o erro de que um decisor central tem informação e discernimento superiores ao daqueles que, no terreno, têm quotidianamente que as executar.