Mundial em 15 retratos

O Campeonato do Mundo no Brasil não ofereceu apenas muitos golos, guarda-redes heróis e uma dentada polémica. Uma semana depois do fim do Mundial 2014, o SOL recorda o melhor de uma fase final em que também não faltaram as contradições da FIFA na escolha do Bola de Ouro.

Mundial  em 15 retratos

Van Persie com asas

É uma imagem que perdurará, a do mergulho do avançado holandês para um cabeceamento que fez a bola passar por cima de Casillas e entrar na baliza da Espanha. Na Holanda, o acrobático movimento de Van Persie tornou-se quase um desporto nacional e até o avô do jogador, de 93 anos, não resistiu a um 'mergulho' para a fotografia.

A marcha dos Seleccionadores 

Mais de um terço dos seleccionadores que estiveram no Brasil já abandonaram os cargos. O italiano Prandelli, o brasileiro Scolari, Fernando Santos (Grécia), Carlos Queiroz (Irão) ou o holandês Van Gaal estão entre os 12 que renunciaram. Outros 10 permanecem com o futuro incerto, casos do espanhol Del Bosque, do britânico Roy Hodgson, do italiano Fabio Capello (Rússia), do colombiano Jorge Luis Pinto (Costa Rica) ou do argentino Sabella. Paulo Bento faz parte dos 10 que vão continuar, a par de nomes como Joachim Low (Alemanha), Deschamps (França), Wilmots (Bélgica), Miguel Herrera (México) ou Klinsmann (EUA).

O Veterano e o goleador

Ainda o inglês Luke Shaw não era nascido e já o colombiano Faryd Mondragón andava em Mundiais (EUA-1994). No Brasil, Shaw foi o mais novo dos 736 convocados e pôde testemunhar os cinco minutos em que Mondragón actuou: aos 43 anos, passou a ser o mais velho a jogar num Mundial. O recorde era do camaronês Roger Milla, que tinha 42 anos no Mundial-1994. Também no capítulo dos golos há novo recorde: o alemão Miroslav Klose chegou aos 16 e superou o brasileiro Ronaldo (15).

O melhor ficou de fora do onze ideal

Na avaliação da empresa contratada pela FIFA, Lionel Messi nem sequer figura entre os onze melhores jogadores do Mundial. Mas a comissão técnica da entidade máxima do futebol escolheu o argentino como o número um da competição e entregou-lhe a Bola de Ouro. Nem Diego Maradona, fã assumido, escondeu a surpresa: “A Messi dava-lhe o céu, mas este prémio ganhou-o por marketing e assim é injusto”. O alemão Müller, considerado o segundo melhor jogador, foi ainda mais corrosivo: “Somos campeões do mundo. Podem pegar na Bola de Ouro e enfiá-la no…”. 

Guantánamo para punir dentada?

Luis Suárez mordeu o italiano Chiellini e, além de ter sido banido do Mundial, foi castigado pela FIFA com quatro meses de suspensão. Uma sanção apoiada por Beckenbauer e Pelé. E bastante criticada por Maradona: “Por que não o mandam para Guantánamo?”. O argentino não poupou o alemão nem o brasileiro, a quem apelidou de “tarados”. “Estas duas personagens saíram do sarcófago e disseram-lhes: 'Venham, falem e defendam a FIFA, se não este mês não recebem'“, disparou. Dentadas à parte, o Barcelona pagou ao Liverpool cerca de 80 milhões de euros para contratar o uruguaio.

Adeus golos fantasma, olá spray 'maldito'

A linha é de espuma e desaparece ao fim de um minuto, mas muitos foram os jogadores que se queixaram de terem as chuteiras sujas. O uso do spray para alinhar a barreira na marcação de livres não foi consensual, mas tornou-se o melhor amigo dos árbitros: não houve um único cartão amarelo por desrespeito da distância assinalada. Não foi a única inovação de sucesso: a tecnologia da linha de golo equipou as balizas com catorze câmaras e 'matou' as discussões sobre se a bola entrou ou não, como no segundo golo de Benzema frente às Honduras. Cada vez que a bola entra, o relógio do árbitro apita.

Surpresas e desilusões

Mick Jagger, o 'pé-frio'

A culpa não foi do clima, nem das lesões ou das escolhas de Paulo Bento. Sabe-se agora que o grande responsável do fracasso de Portugal no Brasil é o vocalista dos Rolling Stones. Mick Jagger declarou o seu apoio a Inglaterra e Portugal e ambas acabaram eliminadas logo na fase de grupos. Está explicada também a derrocada do Brasil nas meias-finais frente à Alemanha: o músico britânico tem um filho brasileiro e apareceu no estádio Mineirão para dar o seu apoio à canarinha. Não será por acaso que Jagger canta 'You can't always get what you want'.

A revolta da imprensa

O jornal Lance publicou a primeira página em branco e pediu ao leitor para fazer a própria capa. O Folha de São Paulo fez manchete com o estádio Mineirão às escuras. E o diário O Dia mandou Scolari para o “inferno”. A imprensa brasileira chegou a ser cruel com a canarinha após a goleada frente à Alemanha (7-1). Vexame, vergonha e pesadelo foram títulos recorrentes. “Hoje não dá para fazer graça, a gente ficou com vergonha. Amanhã nós voltamos. *Enquanto você lia isto… Mais um golo da Alemanha”, lia-se na primeira página do Meia-Hora, sobre um fundo negro. Na manchete, o aviso: “Não vai ter capa”.
 
Os heróis da baliza

Romero eliminou a Holanda nas meias-finais através do desempate pelas grandes penalidades. Mas na retina não ficaram as duas defesas decisivas do guarda-redes argentino e sim o post-it que retirou das luvas antes de cada penálti. O que se pensava ser uma cábula sobre a forma habitual dos adversários converterem os penáltis era afinal uma declaração de amor, segundo revelou a mulher. Nos 'quartos', o papel de herói tinha cabido a Tim Krul, o suplente da 'laranja mecânica'. O nulo frente à Costa Rica no prolongamento persistia e Van Gaal surpreendeu ao trocar de guarda-redes. Krul aproveitou o voto de confiança e fez a diferença nos penáltis. Em destaque na baliza estiveram ainda Keylor Navas, que fez da Costa Rica a equipa menos batida (dois golos sofridos), Guillermo Ochoa, que levou o México até aos 'oitavos', e o norte-americano Tim Howard, que bateu o recorde de defesas frente à Bélgica (16).

171 golos

Tantos como no França-98. O melhor registo em Mundiais desde que, nesse ano, a fase final passou a ser disputada por 32 selecções. A Colômbia foi a selecção que apresentou melhor média no Brasil, com 2,3 golos por jogo – e, à falta de Falcao, teve em James Rodríguez o artilheiro da prova, com seis remates certeiros.

Três defesas de volta

Três jogadores no centro da defesa, dois laterais subidos no terreno, dois médios mais defensivos e um criativo no apoio aos dois homens da frente. O 3x5x2 saiu do baú para se tornar a táctica sensação do Mundial. Holanda, México, Costa Rica e Chile resgataram um sistema que parecia antiquado e tornaram-se as selecções mais empolgantes nos relvados do Brasil. O esquema de três centrais foi uma aposta pessoal de Van Gaal e catapultou a 'laranja mecânica' para as meias-finais, onde só caiu nos penáltis. Logo na estreia, o 'carrossel holandês' deixou a Espanha sem reacção (5-1).

Birras africanas

Boicotaram uma cerimónia oficial com o primeiro-ministro e até fizeram greve aos treinos. Os jogadores dos Camarões só apanharam o avião para o Brasil quando os prémios de participação se tornaram mais atractivos. Uma situação idêntica à de outras duas selecções africanas. O Gana, que só aceitou defrontar Portugal depois de o Governo ter enviado um avião com o pagamento dos prémios de qualificação em atraso. E a Nigéria, que obrigou o ministro dos Desportos a deslocar-se ao Brasil com uma mala cheia de notas, após uma ameaça de greve. Ainda assim, o continente africano esteve representado pela primeira vez com duas equipas nos 'oitavos', com Nigéria e Argélia.

Os maratonistas

E no fim ganha a Alemanha

“São 22 homens a correr atrás da bola e no fim ganham os alemães”. O inglês Gary Lineker definiu assim o futebol em 1990 e, 24 anos depois, a Alemanha volta a ser campeã do mundo. É a quarta vez, com direito a 26 milhões de euros de prémio. Nunca uma selecção europeia tinha ficado com o troféu nas sete edições anteriores realizadas no continente americano.

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