Serviço é serviço, conhaque é conhaque

Conheço Henrique Granadeiro há mais de 20 anos, desde a altura em que, sendo eu director do Expresso, ele assumiu um lugar na administração do grupo proprietário do jornal.

Sempre tivemos uma boa relação profissional, que se estendeu por dez anos. Devo-lhe, além disso, alguns favores pessoais. E o facto de eu ser velho amigo da mulher com quem ele era casado na altura, Margarida Marante, alargava o campo das nossas relações. Visitei-o nas suas propriedades, primeiro perto de Évora e depois em Reguengos, e ele visitou-me no meu modesto monte de Estremoz.

Aquando do nascimento do SOL, Granadeiro, que já era presidente executivo da PT, facilitou-nos a instalação de meios técnicos necessários ao lançamento do jornal, sem os quais o arranque teria sido impossível. E este gesto teve tanto mais significado quanto é certo que muitos fornecedores de serviços, pressionados pela concorrência, nos dificultaram a vida ao máximo.

Anos depois, no complicado processo Face Oculta, Granadeiro terá tido uma actuação menos clara (em consonância com o nome do processo…), dispondo-se a colaborar numa operação duvidosa para satisfazer a vontade do primeiro-ministro da época, José Sócrates.

Como se sabe, Sócrates instigou a PT a comprar a TVI, para afastar José Eduardo Moniz e Manuela Moura Guedes.
Neste caso terá tido um papel decisivo Ricardo Salgado, um assumido apoiante do então primeiro-ministro.
Entre o BES, a PT e o Governo socialista estabeleceram-se então ligações perigosas, com trocas arriscadas de favores, tais como o banco assumir dívida soberana portuguesa para lá do que seria razoável.
Entretanto, se as relações entre Salgado e Sócrates eram recentes, os laços entre Granadeiro e Salgado eram antigos.

É sabido que passavam férias juntos, num grupo de amigos de que também fazia parte Marcelo Rebelo de Sousa.
E Salgado sempre ajudou Granadeiro, no qual via um homem da máxima confiança, tendo tido, por exemplo, um papel determinante na sua escolha para a presidência da PT.

Mesmo nos momentos mais difíceis, Salgado não deixou cair Granadeiro.
É pois natural que, quando a crise no Grupo Espírito Santo rebentou, Ricardo Salgado tenha recorrido ao seu amigo e à PT. 

O GES tinha dívidas a saldar, tinha empréstimos a liquidar, precisava desesperadamente de dinheiro.
Salgado teve de apelar a toda a gente que conhecia para o ajudar naquela enrascadela – e muitos voltaram-lhe as costas.
Mas Henrique Granadeiro não o podia fazer.

Perante aquele quadro aflitivo, Granadeiro dispôs-se a saldar o apoio recebido de Ricardo Salgado ao longo dos anos, prontificando-se a aumentar as aplicações da PT no Grupo Espírito Santo para o valor astronómico de quase mil milhões de euros – o que significava uma temeridade, pois a situação calamitosa do GES não oferecia quaisquer garantias.

No mínimo, pode dizer-se que Granadeiro assumiu um risco excessivo, foi imprudente, cometeu um acto de racionalidade duvidosa.

A questão é que aqui não terá falado o gestor – falou apenas o amigo.
A ajuda que Granadeiro deu a Salgado foi uma ajuda de amigo, a retribuição de uma amizade antiga.
Só que isso, sendo louvável no plano humano, não é razoável no mundo dos negócios.

Até porque uma pessoa só pode ajudar com aquilo que é seu – e não com os meios de uma empresa que tem milhares de accionistas.
Lá diz o velho ditado: «Amigos, amigos, negócios à parte».

Quando estava no Expresso, Granadeiro usava muito outro aforismo que significa exactamente o mesmo: «Serviço é serviço, conhaque é conhaque».
Neste caso da ajuda ao GES, Henrique Granadeiro misturou o serviço com o conhaque – e estragou tudo.
Porque nem o amigo se salvou nem ele ficou em bons lençóis.
Talvez se tenha salvo a amizade.

Esperemos, de facto, que essa saia incólume da alhada em que a PT está metida e da tragédia que é o naufrágio de um grande grupo financeiro português.

Ao menos, que Ricardo Salgado e Henrique Granadeiro possam continuar a passar férias juntos, talvez com mais tempo para trocarem memórias.