O Bloco e a dívida…

Com uma insuspeita capacidade premonitória, o jornal Público do último domingo antevia, em título à largura da 1.ª página, Sinais de desintegração do Bloco de Esquerda com saídas e divisões. 

Lido o texto, percebeu-se que os ‘sinais’ detectados pelo matutino de Belmiro de Azevedo respeitavam à anunciada desvinculação de Ana Drago e ao presumível eclipse da tendência conhecida por Fórum Manifesto.

O «fantasma da desintegração», como teme o mesmo jornal, segue-se a outros abandonos, designadamente o do eurodeputado Rui Tavares – que se sentiu livre para trocar a fidelidade ao Bloco pela devoção aos confortos de Estrasburgo e de Bruxelas –, e o de Francisco Louçã, que pressentiu o barco a afundar-se e inventou a bizarra solução bicéfala de liderança para se afastar com um voto de desapego.

Somados os desaires, ficou à vista o ocaso do Bloco, capaz de deixar órfã uma certa burguesia urbana bem pensante, que aprecia o rótulo de esquerda, longe do contágio do operariado que ainda sobrevive no PCP.
Na órbita destas franjas fracturantes, e com o mesmo zelo e relevo, o Público brindou os seus leitores, ainda na semana passada, com outra manchete de 1.ª página na qual anunciava, peremptório: Economistas propõem reestruturação que corta metade da dívida. 

Ao desenvolver a jubilosa notícia nas páginas interiores, o jornal ufanava-se de revelar o original documento, em primeira mão, como «um guião para resolver o problema da dívida». 

Observa-se, por acaso, que um dos economistas subscritores é Francisco Louçã, pormenor de somenos quando se trata de pastorear os súbditos, ingénuos ou mal avisados. Cortar «metade da dívida», embora por atalhos estranhos, é um caminho redentor apenas ao alcance dos eleitos. 

Acontece, porém, que o ‘guião’, se fosse seguido em conformidade com os ensinamentos dos promotores, seria o caminho mais curto para a repetição do desastre, de uma forma ainda mais retumbante. 

De facto, conforme explica Louçã, o que se formula no plano é o adiamento do pagamento da dívida em décadas e a redução substancial de juros. Depois, e como reconhece o Público em editorial, «o relatório terá com certeza algumas falhas, como, por exemplo, a sugestão de impor perdas a detentores de certificados de aforro». Nada de relevante , portanto, à parte o confisco… 

A lógica é sempre a mesma e é cromossomática no fundador do Bloco. Em vez do «não pagamos», os autores do relatório contornam, caridosamente, o ‘perdão da dívida’…

O programa desenhado «antes leva a uma negociação com os credores defendendo os interesses de um Estado que recupera a sua soberania». Ou seja, o milagre. 
Há muito que se conheciam os dotes de Louçã para uma prática tele-evangelista. Desta feita, porém, deu um passo em frente, rumo à canonização. 

Com a família Espírito Santo na falência, e os socialistas entretidos na escolha do hipotético ‘primeiro-ministro’, o país bem precisa de um santo milagreiro. E que haja quem reze pelo seu futuro… 

Infelizmente, os ‘milagres’ não pagam dívidas. No meio das aflições da banca, o lirismo de Louçã e dos seus acólitos choca. É indigesto, vindo de economistas com responsabilidades académicas. Haja quem mantenha a cabeça fria neste Verão quente…