E é sabido que quem roubar para comer sentirá o peso da Justiça e da moral alheia, sempre cariciosas para os protegidos pela Fortuna.
O mundo já assim era no século XVII, como podemos verificar nos épicos sermões do Padre António Vieira (finalmente publicados em edição integral pelo Círculo de Leitores), e parece que nos resignámos a que assim continue para a eternidade.
A ideia de mudança tornou-se mero sinónimo de novidade, que por sua vez se tornou sinónimo de tecnologia; todos os dias se inventam novos aparelhómetros para sabermos tudo a todo o instante e não pensarmos sobre coisa nenhuma. E coisa nenhuma não é o mesmo que nada; até o nada deixou de existir: tudo se resume agora a ter ou não ter coisas.
Essa diferença agudizou-se no espaço de uma geração, criando um materialismo pragmático de uma ferocidade impensável aos piores pesadelos de Karl Marx.
Ageração do Maio de 68 podia revoltar-se porque tinha almoçado e sabia que, no fim da revolta, iria jantar.
Aos jovens de hoje é-lhes dito, de manhã à noite, que os pais foram «uns líricos» (versão mansa) ou «uns irresponsáveis» e que é por isso que eles não têm emprego.
Do mesmo modo, repete-se às mulheres que os filhos não sabem o que querem porque elas foram mães desmazeladas, mulheres egoístas que puseram a realização profissional à frente do futuro glorioso da prole. Ou, pior: que nem sequer têm a coragem de ser mães. Entre os países da OCDE, só a Coreia tem menos filhos por mulher do que Portugal.
Na dúvida, a culpa é sempre delas; o feminismo morreu e foi enterrado quando a longevidade cresceu exponencialmente (isto é, nos últimos vinte anos) e a segurança social deixou de ser sustentável.
A saúde deu cabo da economia. Aparentemente, a nenhum dos génios que pensou o futuro do capitalismo ocorreu que vivermos todos mais umas décadas desregulava a teoricamente bela solidariedade intergeracional.
Esse é um problema maior do que a escassez local de nascimentos, porque há muitos lugares do mundo onde nascem milhões de crianças.
Sucede que temos dificuldade em encarar a população mundial como um todo de pessoas potencialmente iguais em direitos. Parece que isso prejudica as ‘identidades’ e ‘culturas’, que convém manter assimétricas, para que o ‘equilíbrio’ do poder não descambe.
Fantástico equilíbrio, este; quem assim discorre não percebeu ainda que a pobreza é não só perigosa como pode tornar-se atávica.
Entretanto, um estudo da Universidade Portucalense divulgado na passada terça-feira revela que os adolescentes portugueses não sabem poupar e são incapazes de gerir as suas finanças pessoais.
Antes que alguém se apresente para fustigar as mães com mais este apetecível chicote de culpa, convém lembrar que os que não pouparam (e que eram, pelo menos até há poucos dias, considerados ‘investidores’), têm vivido com muito maior largueza do que os que pouparam para comprar uma casa, um carro ou uma televisão.
Não se pode pedir aos jovens que ajam exactamente ao contrário do que vêem resultar para os adultos; a juventude é um tempo de loucura, mas não de doença mental.
E Philip Vermouen, um economista do Banco Central Europeu, verificou que um quarto da riqueza de Portugal se encontra na posse de 1% da população. É muita riqueza para muito poucos, num país em que o sacrifício é um desporto mais arreigado que o futebol, que aliás também tem feito o que pode para alimentar a lusitana fome de desgostos.