China e Japão ‘atacam’ África

Juntar no mesmo continente e na mesma semana os líderes da China e Japão no meio de um conflito diplomático sobre uma pequena ilha só podia resultar em manchetes que retratam a luta pela influência em África.

No princípio de Janeiro, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, e o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, visitaram vários países em África, desbravando terrenos para mais negócios e, pelo caminho, mandando 'alfinetadas' nas verdadeiras intenções de cada um na relação com os países africanos.

A frase mais célebre foi dita pelo porta-voz de Shinzo Abe, Tomohiko Taniguchi, à BBC, quando lhe perguntaram quais as principais diferenças entre o investimento chinês e o investimento japonês em África: "Países como o Japão, o Reino Unido ou a França não podem dar aos líderes africanos casas lindas ou bonitos palácios ministeriais", afirmou, numa referência quase explícita ao facto de a China pagar vários edifícios e infra-estruturas públicas em África, como a sede da União Africana, na Etiópia.

A política de ajuda japonesa, continuou o porta-voz de Shinzo Abe, é mesmo direccionada para "ajudar o capital humano de África", salientando até que muitos líderes africanos acreditavam que através de fortes ligações empresariais ao Japão poderiam obter experiência industrial e 'know-how'.

Num discurso na Etiópia, nessa visita que incluiu também a Costa do Marfim e Moçambique, o primeiro-ministro japonês salientou que "quando as empresas japonesas, que valorizam cada um dos indivíduos, vêm para África, uma verdadeira relação de 'win-win' no sentido mais verdadeiro pode emergir", num discurso marcado mais pela defesa das virtudes das empresas japonesas do que na capacidade financeira de ajuda do Japão.

A China, ao contrário, não evidencia uma estratégia focada na economia: "É claro que o estabelecimento de Abe de uma relação com África está fortemente ligado aos negócios das empresas japonesas, mas a China, por outro lado, enfatiza constantemente a 'amizade' entre o governo chinês e os governos africanos, e apesar de as empresas chinesas fazerem grandes negócios em África, Pequim raramente fala disso nos discursos oficiais, preferindo sublinhar que os projectos conjuntos, como estradas ou edifícios governamentais, são sempre encarados como um sinal da amizade da China para com África", escreve Shannon Tiezzi numa análise publicada na revista The Diplomat.

A China, acrescenta, "tem tido bastante sucesso em traduzir as suas relações comerciais com a África e a América Latina em apoio concreto à política externa; o Japão, por seu turno, não parece procurar este tipo de influência, pelo menos para já, apostando antes e abertamente em aumentar as trocas comerciais, por isso apesar de parecerem que estão a competir em África, na verdade os dois países estão a jogar jogos completamente diferentes", conclui a analista.

As reacções, claro, são frequentes e geralmente críticas para com o 'modus operandi' da China, que fornece não só empréstimos com taxas de juro tão baixas que levaram o ministro das Finanças da Nigéria a chamar-lhes "free money", mas também oferece, literalmente, infra-estruturas importantes e vistosas a troco de acesso directo aos fornecimentos de energia.

Este 'oil for money' é, aliás, um processo tão produtivo que Angola, por exemplo, já vende 45% da sua produção à China, país que já vai a África buscar 15% da sua energia.

Para além da energia, a China aposta em África num modelo de 'chave-na-mão', ou seja, leva tudo o que precisa para a obra, sejam trabalhadores, parafusos ou grandes estruturas, recebendo, por isso, críticas dos parceiros internacionais de África, que acusam o país de apenas ir lá buscar os recursos naturais, não fornecendo nem treino nem 'know-how' aos africanos, e assim perpetuando a 'dependência', leia-se modelo de negócio.

Em entrevista à Lusa, a investigadora radicada na África do Sul Lucy Corkin explicou que o problema da relação entre os governos africanos e a China é, sobretudo, de percepção política, não só pela opinião pública interna, mas também pelas organizações não-governamentais, que criticam a falta de transparência dos contratos e, muitas vezes, o resultado final das obras em termos de qualidade.

No entanto, defende, a 'culpa' não pode ser atribuída só a um lado, uma vez que a ajuda financeira chinesa é dada mais depressa e sem burocracia do que a maioria dos outros países do Ocidente: "do ponto de vista africano, a chinesa é melhor, mas se a ajuda for analisada por um parlamento ou uma ONG, há logo uma imensa controvérsia sobre os dinheiros chineses, desde logo porque não passam pelo 'due process', por isso há um sentimento de falta de transparência, e estas organizações prefeririam empréstimos ocidentais".

No entanto, "do lado chinês a resposta é que o processo é tão transparente quanto a outra parte quiser que seja", resumiu a antiga Directora de Projectos no Centro de Estudos Chineses da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, actualmente a trabalhar como consultora no Rand Merchant Bank.

Por outro lado, também há que reconhecer, argumentou, que às vezes 'são mais as vozes que as nozes' quando se fala no excepcionalismo chinês, porque o facto de os contratos obrigarem a que 50% da mão-de-obra e de materiais sejam fornecidos pelo contratado é já uma prática comum nos negócios estrangeiros das economias africana.

"As empreitadas de grande sucesso são frequentemente feitas por empresas portuguesas, brasileiras, sul-africanas, norte-americanas e francesas, havendo apenas algumas subconcessões a empresas locais, por isso usar a maior parte de produto nacional não é uma coisa que possa ser só imputada aos chineses", concluiu.

Lusa/SOL