Desperdícios e paradoxos

Em Portugal desperdiçamos muita coisa. Aliás, os países pouco desenvolvidos são aqueles que, tendo menos recursos, paradoxalmente mais os desperdiçam. Por exemplo, a falta de manutenção nesses países leva à rápida degradação dos equipamentos.  

Os portugueses são muito dependentes de energia importada, mas desperdiçam-na na fraca eficiência com que a utilizam. A intensidade energética (consumo de energia por um milhão de euros do PIB) continua entre nós bem mais alta do que a média europeia, que tem caído significativamente desde os choques petrolíferos de há 40 anos.
Outro caso é o das perdas de água. Na distribuição perde-se em Portugal cerca de um quarto da água canalizada. Na Alemanha as perdas são de 7% e na Holanda de 4%. 

Mais um exemplo: Portugal conta com mais auto-estradas por km2 do que a Itália, a França, a Grã-Bretanha… As portagens cobrem apenas 37% dos custos, em média. No interior norte e centro essa cobertura anda pelos 14%. Isto, sem falar nas leoninas parcerias público-privadas, que reservam os riscos para o Estado, ou seja, para todos nós contribuintes, e os lucros para as concessionárias. Mais do que desperdício, aqui trata-se de crime (impune) contra o interesse nacional.

O desperdício porventura mais escandaloso é aquele que se desenvolveu ao longo dos últimos 40 anos na área da habitação. Salazar congelou as rendas de casa em Lisboa e no Porto. Depois do 25 de Abril, o congelamento foi estendido a todo o país. Só que no tempo de Salazar a inflação era muito baixa, mas a partir de 1975 subiu para níveis de mais de 20%, quase 30%.

Assim, o valor real das rendas foi sendo dramaticamente ‘comido’ pela inflação. Não admira que muitos senhorios não tenham feito obras, deixando degradar as casas – que frequentemente lhes traziam mais encargos (fiscais, por exemplo) do que benefícios.

Noutros países aconteceram fenómenos semelhantes –  em Espanha, ou na França do pós-guerra. Mas lá, ao contrário do que aqui se passou, houve coragem política para resolver o problema. Em Portugal tivemos algum descongelamento das rendas antigas, mas partindo de bases tão baixas que se tornou ruinoso o negócio de alugar habitações com inquilinos a pagar essas rendas. A degradação dos edifícios foi-se agravando.

Os custos indirectos desta situação são enormes. Os centros das cidades ficaram sem habitantes, que foram empurrados para as periferias, implicando maior utilização de carros particulares, logo de combustíveis, e engarrafamentos diários. 

O custo directo foi agora evidenciado num estudo da Faculdade de Engenharia do Porto para a Confederação Portuguesa de Construção e Imobiliário. Há três casas por duas famílias, mas – outro paradoxo! – não existem casas a mais, porque um quarto das existentes precisa de obras para serem habitáveis. 126 mil ameaçam ruína.

Descontando as segundas habitações, os alojamentos turísticos e as casas degradadas, ficam a faltar mais de cem mil habitações.

Reabilitar casas degradadas é caro. O estudo referido calcula em 38 mil milhões de euros o custo de reabilitar o milhão e meio de habitações que no país precisam de obras. E Portugal é o país da Europa onde a reabilitação urbana tem menor peso – menos de 7% do total do sector da construção. É este o preço de longos anos a adiar decisões impopulares.