Apesar do custo das entradas – entre o razoável e o obsceno –, do desconforto das instalações e da duvidosa qualidade da maior parte das bandas anunciadas, os fiéis não arredam pé, saltitam alegremente de festival em festival, do Sudoeste a Vilar de Mouros – o pioneiro destas concentrações –, sem aparente cansaço nem falta de dinheiro no bolso. Um mistério.
Durante o ano, numerosos especialistas teorizam sobre o elevado desemprego jovem e o desânimo da falta de horizontes, exprimindo compreensíveis angústias – partilhadas, inclusive, com solenidade, pelo primeiro-ministro e o Presidente da República.
Em abono dessas críticas, utilizam-se estatísticas comparativas e aponta-se a emigração como destino quase incontornável.
O futuro é apresentado, invariavelmente, penumbroso para as novas gerações, vergadas ainda ao esforço de terem de suportar, a prazo dilatado, a dívida pública acumulada, além do peso dos reformados e pensionistas, beneficiários do aumento da esperança média de vida.
Reprova-se mesmo, com mal disfarçada acrimónia, o facto de o país não oferecer lugar compatível a muitos dos seus licenciados, saídos anualmente dos bancos das universidades, públicas e privadas, com a justa expectativa de serem recompensados pelo tempo que passaram agarrados às sebentas.
Não obstante este quadro deprimido, os organizadores dos festivais ‘roqueiros’ e afins não parecem ter razões de queixa. Apesar da concorrência engrossar regularmente, com novas propostas ao ar livre, as bilheteiras continuam de vento em popa.
Ao contrário do que poderia intuir-se, face aos números revelados do desemprego jovem, sobeja liquidez para acorrer aos festivais, libertando os marketeers das cervejeiras e dos operadores de telecomunicações da maçada de inventarem alternativas para os seus patrocínios.
Mal desperta o Verão, o público festivaleiro não se faz rogado. E exibe-se feliz nos telejornais. Milagrosamente, a crise eclipsa-se.
Se tomarmos o Sudoeste, em Odemira, como exemplo de festivais bem sucedidos, é irresistível a comparação entre dois mundos. O dos ‘roqueiros’ em crescendo, premiando alegremente os seus promotores; e o dos produtores hortofrutícolas, a braços com a deserção sistemática de nativos.
Bem pregou, há pouco mais de um ano, a ministra Assunção Cristas, ao visitar explorações hortofrutícolas no Sudoeste alentejano, reconhecendo haver ali «oportunidades de emprego».
O apelo foi ouvido longe – da Tailândia, à Roménia e à Moldávia –, que se apressaram a responder à chamada, enviando não poucos naturais para darem o seu contributo. É o que tem valido aos produtores para não falharem os compromissos.
Poderemos concluir, assim, que há dois Sudoestes que não se cruzam. O dos promotores do afamado festival de rock e o dos produtores agrícolas.
Une-os, contudo, o mesmo recurso ao estrangeiro para animar as colheitas…