Guitarras ao alto

Quem goste de jazz contemporâneo mas que por algum motivo seja alérgico à guitarra eléctrica só tem este ano um concerto à sua medida no Festival Jazz em Agosto. E que concerto: é o de amanhã, sábado, e junta o saxofonista britânico Evan Parker e o pianista norte-americano Matthew Shipp.

Guitarras ao alto

A 31.ª edição deste oásis no tradicional deserto cultural de Agosto está longe, contudo, de propor monotonia sonora sob o chapéu da guitarra. Do concerto de abertura desta noite, que percorre os caminhos do blues e do funk pelas mãos dos guitarristas James 'Blood' Ulmer e Vernon Reid (fundador do grupo rock Living Colour) com o grupo The Memphis Blood Band, à actuação de encerramento a cargo da big band portuguesa (constituída por 15 elementos) L.U.M.E. – Lisbon Underground Music Ensemble, a diversidade está garantida.

Nem se podia esperar outra coisa – a programação da 30.ª edição foi distinguida pela associação Europe Jazz Network. “É um festival muito especial. É o festival mais vanguardista, no sentido inovador”, comenta o guitarrista Luís Lopes, que na terça-feira à noite se apresenta no Anfiteatro ao Ar Livre (local de todos os concertos) com o Lisbon Berlin Trio.

Luís Lopes rejeita a ideia de que o guitarrista de jazz não terá o mesmo reconhecimento que os outros músicos. “Há sempre a ligação do jazz ao saxofone, ao trompete e ao piano, mas a guitarra aparece em grande, desaparece e depois aparece outra vez em grande. Talvez esteja ligado a inovadores incríveis em relação ao próprio instrumento, porque a guitarra é muito versátil”. E prossegue: “É uma história longa, mas enquanto o piano e os instrumentos de sopro sempre foram instrumentos solistas, a guitarra passou a ser também solista com Charlie Christian. É um instrumento muito importante no jazz e há muitas malhas de saxofonistas que foram sacadas aos guitarristas. E não nos podemos esquecer dos blues. Grande parte do jazz inicial tem raízes nos blues, e os seus guitarristas eram solistas”.

O Massacre de Frith

Muitos anos de história do jazz passaram até desaguarmos no Jazz em Agosto. Luís Lopes é espectador assíduo desde 1997 e perdeu a conta aos concertos com que vibrou. Mas lá acaba por dizer que “memorável, memorável, foi o do John Zorn com o Fred Frith”.

Este último músico irá estar em destaque nesta edição. O guitarrista inglês vai tocar em três noites consecutivas, em formações distintas. Na quinta-feira, Frith estreia uma formação com o contrabaixista francês Joëlle Léandre e o baterista norte-americano Hamid Drake; na sexta-feira, no MMM Quartet, com Léandre também na voz, o suíço Urs Leimgruber ao saxofone e o norte-americano Alvin Curran ao piano; por fim, no sábado, há Massacre, quarteto que junta Frith ao baixista Bill Laswell, ao baterista Charles Hayward e ao engenheiro de som Oz Fritz.

Salsicha a curtir

O facto de na adolescência ter lido obras de Stephen Hawking deu a Luís Lopes uma outra perspectiva sobre a música, em que a física joga o seu papel. O resultado está, por exemplo, em The Line, disco agora lançado pelo Lisbon Berlin Trio (a Lopes juntam-se os alemães Robert Landfermann no baixo e Christian Lillinger na bateria) e que será apresentado aos espectadores do festival. “Este disco tem composição e improvisação, mas mesmo a improvisação tem uma direcção específica. The Line é sobre uma linha do universo no espaço de tempo”.

O guitarrista lisboeta explica que hoje em dia os músicos mais vanguardistas, como Anthony Braxton, trabalham “sem tempo específico, nem compasso, é um caos em termos de tempo, é omnirrítmico”. No fundo, é também uma questão filosófica, porque trata-se de desafiar o que é o passado, o presente e o futuro. “Conseguir misturá-los de tal maneira que se pára o tempo, é a eternidade. É uma linha, não interessa onde está o princípio e o fim, é como uma salsicha a curtir”, compara. Foi assim que compôs o tema que é título do álbum. A esta forma de tocar, Luís Lopes compara com um jogo “completamente aberto, sem pára-quedas”.

Nota ainda para os restantes concertos: Ceramic Dog, grupo norte-americano liderado por Marc Ribot, no domingo; Real Thing #3, projecto do francês Marc Ducret, segunda-feira; e por fim, na quarta-feira, há Big Rain, uma mistura austro-nipónica-americana conduzida por Franz Hautzinger e Keiji Haino.

Além dos concertos (sempre às 21h30), o Jazz em Agosto tem agendado um ciclo de cinema, que abre com o documentário de Wim Wenders The Soul of a Man (dias 2 e 3) e termina com o filme de um concerto do festival em 1985, de Terje Rypdal & The Chasers. As sete sessões decorrem no Auditório 3, às 18h.

cesar.avo@sol.pt