Todos os estados-membros da CPLP (sigla que significa Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, convém lembrar) têm o mesmo direito de voto e de veto; os Estatutos definem que as decisões da Comunidade serão tomadas por ‘consenso’. É uma união de Estados iguais; não há nela donos nem servos da Língua, como não há prerrogativas especiais em função da dimensão física ou económica de cada país.
Outro ponto importante dos Estatutos é a defesa e promoção da democracia e dos direitos humanos.
Porém, sempre que se fala de ‘direitos humanos’, um exército de almas bem-pensantes puxa a pistola da alta filosofia carregada com as balas entorpecentes da ‘cultura’: alegam que cada cultura tem a sua visão específica disso a que o nosso eurocentrismo qualifica como ‘direitos’, que as mutilações genitais não representam para as mulheres que as sofrem o mesmo que para as europeias, e assim sucessivamente, num tiroteio de barbaridades tal que acabamos a meditar que, tantos anos depois do Holocausto, Hannah Arendt continuaria a encontrar nas nossas doces democracias muito pano para mangas, no que se refere à banalidade do mal.
Em resumo: se Portugal vetasse a entrada da Guiné Equatorial ficaria em muitos maus lençóis com Angola e com o Brasil, e lá se ia a nossa economia por água abaixo, para o esgoto da Europa, do qual, dizem, está à beirinha de se safar.
Diplomacia, em Portugal, tornou-se sinónimo de servilismo. Segundo essa pitonisa da modernidade que é a agência Moody’s, Portugal já passou do saco do lixo nojento para o sector do lixo ecológico. Recusando a sua solidariedade e os seus serviços aos senhores do bonito gás natural e do feio mas eterno petróleo, o país nunca mais sairia do caixote. Ainda por cima, um país tão lindo.
Compreendo: o tempo é de política real, e a política real são as contas. Mas então assumam, que diabo. Digam ao que vêm. Se o Governo não pode dizer estas coisas em voz alta, ao menos que o diga aquele largo e variado friso de deputados socialistas que votou contra o protesto do Bloco de Esquerda face à entrada da Guiné Equatorial. O que pensam, sobre este tema concreto, os dois candidatos às primárias do PS?
Deixem de utilizar a Língua Portuguesa como cortina de fumo para a roda dos negócios. Parem de servir-se de nós, os líricos e ingénuos que acreditamos na mudança através da educação e na ampliação do poder criativo da Humanidade através da literatura e das artes. Assumam que a CPLP é um fórum de negócios – mas não se ponham a inventar um escritor de língua portuguesa na Guiné Equatorial para lhe ofertarem, com o dinheiro dos nossos impostos, esse prémio de consagração que tem o nome de Camões.
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