Quando a política vai à igreja

A dois meses das eleições de 5 de Outubro, os candidatos à presidência brasileira contam os votos. Nos bastidores da campanha de Dilma Rousseff, a estratégia visa reduzir a incerteza sobre duas das maiores incógnitas destas eleições: como vão votar os eleitores de São Paulo e de Minas Gerais (os dois maiores colégios eleitorais do…

Atenta aos 42,3 milhões de brasileiros que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, professam algum credo evangélico, na semana passada Dilma Rousseff marcou presença na inauguração do Templo de Salomão. Trata-se de uma obra faraónica construída pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que conta com perto de dois milhões de seguidores e dois mil templos espalhados pelo país. A Presidenta do Brasil fez ainda questão de felicitar Edir Macedo, empresário que em 1977 fundou a IURD e actual proprietário da segunda maior cadeia de televisão do país, a Record, que controla mais de 20 emissoras de televisão, 40 rádios e editoras. Com uma fortuna avaliada em 2 mil milhões de reais (657 milhões de euros), Macedo foi considerado o mais rico dos líderes das igrejas evangélicas do Brasil e um dos 50 homens mais ricos do Brasil.

O templo que recentemente abriu as portas na zona Leste de São Paulo é uma réplica do antigo Templo de Salomão em Jerusalém. Com 56 metros de altura, foi revestido com pedras vindas de Hebron, cidade israelita que abriga os túmulos de Abraão, Isaac e Jacó. Tem quase quatro vezes o tamanho do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, no interior de São Paulo, e custou 685 milhões de reais (225 milhões de euros).

Enquanto o edifício recebia os últimos retoques, os jornais brasileiros denunciavam no entanto que a IURD apenas tinha licença para obras de reabilitação naquela zona e não para a construção de um imóvel com 100 mil metros quadrados, capacidade para 10 mil pessoas sentadas e um parque de estacionamento para dois mil carros.

E a polémica acentuou-se na cerimónia de inauguração. Além de os novos símbolos da igreja remeterem para o judaísmo, o primeiro hino tocado foi o de Israel, só depois se ouvindo o do Brasil, o que causou mal-estar. Poucos dias antes a Presidenta havia mandado fechar a representação diplomática do Brasil em Israel, na sequência do conflito na Faixa de Gaza.

Em dia de festa, a IURD trouxe para a agenda mediática o flagelo da droga, e Dilma teve de encaixar um discurso que desvalorizava a capacidade do Governo brasileiro no combate à toxicodependência e no tratamento dos viciados que se multiplicam nas ruas do maior Estado do Brasil, onde estão 22% dos 136 milhões de eleitores. “Se o Brasil investir numa clínica em cada esquina, não vai conseguir recuperar nenhum toxicodependente. Todos eles têm recaídas quando saem do tratamento. Só a fé é que pode curar”, sentenciou um bispo, apresentado como ex-viciado em cocaína, maconha e prostituição.

A ainda Presidenta do Brasil conhece bem o poder da fé, embora nem sempre tenha tido o maior proveito dele. Em Fevereiro de 2010, quando arrancou a caminhada rumo ao Planalto, afirmou que não seguia nenhuma religião. Meses mais tarde, já em plena campanha eleitoral, teve de reavaliar a sua posição e ensaiou nova resposta: admitiu que é católica, mas manifestou algumas dúvidas sobre a identidade de Deus. Nesse ano, Marina Silva, a então candidata-super-estrela-evangelista, conseguiu adiar a eleição de Dilma para a segunda volta. Desta vez a história poderá repetir-se.

Depois de um arranque do Mundial de futebol atribulado e inquietante, com sucessivas vaias de cada vez que a Presidenta aparecia num estádio ou numa iniciativa pública, a ida de Dilma à IURD foi o primeiro momento pós-Copa em que passou por uma multidão sem ser insultada. Ainda assim, decidiu não falar aos jornalistas, que foram impedidos de assistir à cerimónia no interior do templo, seguindo-a através de dois ecrãs gigantes colocados no exterior. O sucesso da missão só será confirmado em Outubro. Os partidos mantêm uma relação conflituosa com os evangélicos sobre questões como a família, costumes e de direitos LGBT. Mas a luta está acesa e os candidatos querem conquistar os votos da comunidade evangélica. Nem que para isso tenham de ir fazer campanha silenciosa para o interior dos templos. 

ricardo.rego@sol.pt