Perspectivas diferentes, mas no fundo, tudo igual.
Agosto dá as boas-vindas a todos os que desejam celebrar regressos e reencontros, sejam eles de que natureza forem, porque Agosto é um mês de comunhão.
Rico, pobre ou remediado, em Agosto ninguém se chateia muito com nada: oscila-se entre os banhos de sol durante o dia e a entremeada assada na brasa à noite. Ou entre os banhos de sol durante o dia e festas mais in. Mais purpurina, menos purpurina, Agosto é o mês em que os problemas passam para quinquagésimo nono plano e se goza o que Portugal tem de melhor.
Os mais cool chamam-lhe silly season, porque esta é a altura em que se diz com um ar super blasée que se ‘desliga o cérebro’.
Muito bem. Por esta ordem de razão, sou levada a pensar que Agosto é a altura mais honesta do ano: ninguém faz nada e não há mal nenhum nisso. Mas também penso que é um bocado mentira, porque faça-se o que se fizer, em Agosto, o mês mais social do ano, continuamos todos a ser diferentes.
Como se de uma fuga por um surto de tuberculose se tratasse, esvaziam-se as cidades; meio Portugal desloca-se para o interior do país e a outra metade segue para a orla costeira. Os jovens peregrinam de festival em festival. Diferenças? Algumas. Uns levam o garrafão, outros levam o corpo, a carteira e um trapo e os últimos levam o espírito aberto.
Ainda que muitos desejem separar o trigo do joio social, diria que Agosto é o mês da pangeia, porque tudo converge para os mesmos rituais de celebração. Diferem os locais, a música, a roupa. São questões estéticas seculares, barreiras intransponíveis, que aprendemos desde cedo a não querer quebrar, porque os parolos topam-se à légua e a gente fina também.
Se de um lado da barricada uns se regem por um sistema de valores assente em crenças religiosas, do outro lado a importância mede-se pelo tom do bronzeado. Só que na exclusividade de ambos os lados, o lado religioso e parolo, tido como menor, é rei na inclusão, na celebração e na idiossincrasia.
Se a alta cultura é fascinada pela mística do emigrante que suou as estopinhas com o carro atafulhado até ao tejadilho para chegar a tempo às festas de Nossa Senhora de Qualquer Coisa, onde as raparigas são roliças e os rapazes muito rosados, onde se pratica uma moda muito arcaica e a vida é sim ou sopas, a baixa cultura fica em casa a ver o directo da festa dos famosos lá para os lados do Algarve e aguarda ansiosa a saída das revistas cor-de-rosa para replicar o estilo de alguém e ser melhor no mês de Agosto. O fascínio da alta cultura pelos ídolos dos emigrantes leva-a a desprezar os temas de Graciano Saga ou Quim Barreiros e a apreciar o exotismo que é o turbinanço de Ana Malhoa. Mas se repararmos, nenhum deles atravessa. É raro haver crossover, porque é raro que o povo português permita e se permita essa passagem.
Em qual das bandas há mais honestidade? Do lado rosado ou do lado castanho? Não anda tudo a dançar ao som do kuduro e do reggaeton? Só que se de um lado se preza o que é importado, se aspira à redenção mais internacional e se fomenta o esquecimento, do outro a letra do ‘Kuduro’ de Nel Monteiro retrata numa só quadra a limitação real da contracção económica da actualidade e o fenómeno da emigração – «Por não haver dinheiro p’rá festa / Na minha terra a festa não se fez / Só houve baile com uma morena / Que pôs a tocar alguns CDs».
Seja como for é Agosto dos dois lados da barricada, e se por um lado se faz a festa pela essência do convívio, do outro faz-se a festa pelo exercício da dormência.
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