Ficará para a História o Conselho de Ministros extraordinário reunido no primeiro domingo de Agosto, e a promulgação do diploma pelo Presidente da República, horas depois de ter sido aprovado pelo Governo.
Foi uma corrida contra o tempo, para viabilizar o novo modelo e proteger o sistema financeiro do risco de contágio. Governo, Banco de Portugal, Presidente e instituições europeias agiram rápidos e em consonância. Uma agradável surpresa.
A derrocada do BES fizera o seu anúncio prévio em Bolsa, quando as cotações do banco desceram vertiginosamente, em 48 horas, exprimindo o pânico dos investidores. O impossível aconteceu.
A depressão estava instalada há meses, mas a ninguém ocorria o gigantismo da borrasca. Nem ao supervisor, supostamente bem informado. Não estava. Foi enganado.
A confissão, fê-la em directo o governador do BdP numa comunicação inédita, com acusações também inéditas e de uma singular dureza: «Esquema fraudulento», disse ele. A vaga de suspeições sobre actos da anterior gestão engrossou de repente.
Não há memória de nada parecido. Depois do que foi dito, cabe à Justiça agir com celeridade. De preferência, poupando-nos ao espectáculo mediático.
O modelo implementado, de acordo com as novas regras da União Europeia, protege os depositantes e penaliza os accionistas. Poucos perderam muito – mas muitos perderam o pouco de que dispunham para investir.
À trela dos acontecimentos, Pedro Santana Lopes saltou do conforto misericordioso onde o instalaram, aproveitou uma conta no Facebook, e dedicou-se a um populismo escusado, em socorro dos pequenos accionistas defraudados. Com os olhos postos na cadeira de Belém, tudo lhe serve para cativar um eleitorado que ainda se lembra da sua passagem meteórica e desastrada por São Bento. Fica-lhe mal. E arrisca-se a ficar parecido no retrato com a patética Catarina Martins, do Bloco de Esquerda.
É injusto confundir o actual governador com o seu antecessor. O BES tinha uma dimensão que não se comparava com a do BPN. Desta vez, o risco sistémico existia e era sério. Ricardo Salgado integrava a nata dos banqueiros. Oliveira Costa era um politico arvorado em banqueiro.
Carlos Costa actuou com pinças, apercebeu-se do perigo, quis isolar e escorar o BES, mas a estrutura estava completamente minada. Ruiu e arrastou os andaimes montados à pressa. Vítor Constâncio foi surdo aos cânticos do ‘retorno absoluto’ do Banco Privado, e cego ao baile de máscaras do BPN.
Doravante, nada será com dantes. A sucessão de casos na banca portuguesa tem sido um teste violento a quem acreditava na sua solidez. E a validava. Evaporaram-se milhões. Pior: de confiança abalada, o dinheiro poderá voltar ao colchão ou procurar refúgio em ‘paraísos’ fora de controlo.
Mas as ondas de choque do BES – o primeiro verdadeiro tsunami do nosso sistema financeiro –, fazem germinar oportunismos, fraquezas e comportamentos mesquinhos.
Veja-se, por exemplo, Miguel Pais do Amaral, que aproveitou a deixa para condicionar Marcelo Rebelo de Sousa como eventual candidato presidencial, por este ser amigo de Ricardo Salgado, assumindo-o sem mudar de passeio. Fê-lo em declarações a despropósito, ‘metidas a martelo’, no meio de uma entrevista sobre as suas pretensões à privatização da TAP. Foi feio, para quem se gaba de ter linhagem e de ser empresário de sucesso.
Noutro plano, é ver António Costa distanciar-se do BES e da família Espírito Santo no seu discurso de campanha, empurrado por Seguro para o terreno movediço, onde esbracejam os acólitos de Sócrates.
Piedosamente, na Quadratura do Círculo, deixou cair que era chegado o momento de «finalmente se aclarar vários dos mistérios que têm acompanhado a vida nacional nas últimas décadas». Obrigatoriamente, pelo passado e presente, devia estar mais esclarecido.
No mesmo Círculo, desmemoriado, Pacheco Pereira adiantou que «era interessante saber alguma coisa sobre os financiamentos aos partidos políticos». Mas por onde andou o antigo dirigente da distrital de Lisboa do PSD?
O ex-‘dono disto tudo’ terá, decerto, segredos bem guardados. E já prometeu falar. No meio do turbilhão em que se transformou o BES, substituído pelo Novo Banco, o ‘banqueiro do regime’ ficou com a reputação em coma profundo. E, até, parceiros antigos, como o Crédit Agricole, não lhe perdoam os prejuízos e dizem- se traídos.
Salvou-se, até ver, o contribuinte. Passos Coelho e Maria Luís não repetiram o BPN. Nem empenharam o erário público para salvar uma família. Merecem que se lhes reconheça esse mérito.