Isso mesmo: a primeira constatação a registar é que a tese passista de apelo para que os militantes do partido “ se lixem para as eleições” é para esquecer. Um novo discurso se iniciou ontem: o PSD de Passos Coelho quer vencer as eleições legislativas. O novo tom deve ser, aliás, integrado no contexto actual da política nacional : António José Seguro e António Costa, com a guerra fratricida que estão a travar no PS, ofereceram objectivamente hipóteses adicionais de batalhar pela sua reeleição. Ou de, pelo menos, ter um papel importante no pós-legislativas: o PS, mesmo vitorioso, terá com grane probabilidade de firmar um acordo de governação com o PSD – e já percebeu que Passos Coelho não sairá tão facilmente. António Costa e José Seguro sabem – não obstante as declarações de amor que fazem ao PCP e ao BE para seduzir a ala esquerda do PS – que só poderão garantir o valor da estabilidade governativa com os sociais-democratas. Posto isto, passemos à análise da substância do discurso de Passos Coelho.
2. Foi um bom discurso? Na minha opinião, foi o melhor discurso de Passos Coelho desde há muito (talvez o melhor da legislatura). Não foi excelente, não foi brilhante. Está entre o suficiente + e o bom -. Quanto aos aspectos positivos do discurso, destacamos três:
1) A não referência expressa ao Tribunal Constitucional e a mais uma decisão inconstitucional do órgão que deveria defender a Constituição – mas não perdendo a oportunidade de, subtilmente, criticar os efeitos da decisão. E inteligentemente, Passos Coelho incluiu o PS nos destinatários da decisão do TC, prometendo não retomar a reforma da Segurança Social antes das eleições legislativas. Desta forma evita o risco de mais uma decisão inconstitucional, evita um confronto directo com o Tribunal Constitucional – e lança o ónus da inactividade legislativa na área social, mormente nas reformas, para aquele órgão político-jurisdicional e para o PS! Ao criar este facto político, Passos Coelho força uma tomada de posição sobre a matéria por António Costa e António Seguro, numa altura em que disputam eleições internas. Bem jogado: nós que tanto criticámos Passos Coelho por não aproveitar as incongruências do PS e as divisões internas, aqui temos de elogiar o Presidente do PSD – esperando que não se tenha limitado ao Pontal, que seja para continuar, e que não seja excessivamente tarde. Veremos;
2) Foi um discurso de força e de mobilização, passando a ideia de que é possível vencer as próximas eleições legislativas, contra a divisão e a quase secessão no PS. Passos Coelho agarrou-se aos indicadores económicos que lhe são positivos, afirmando que se trata do início de um novo ciclo;
3) Passos Coelho esteve muito bem ao defender a separação entre a iniciativa privada, o mundo dos negócios – e o poder político. O interesse colectivo não pode ficar refém dos interesses privados. E, como já aqui escrevemos no SOL, Passos Coelho ao decidir não nacionalizar o BES pode ter deixado um legado histórico. Alguns analistas já vieram defender que se tratava de uma frase populista e perigosa. Pois, parece que, em Portugal ,quando se afirma claramente uma ideia política que se pretende executar e que significa a ruptura com interesses e práticas instaladas – passa-se a ser populista. É a vida: haja muitos populistas que saibam defender o interesse pública contra qualquer tentativa de o capturar, impondo os interesses de apenas alguns.
Não obstante, o discurso de Passos Coelho apresentou, igualmente, pontos negativos. A saber:
1) Aludiu a um novo ciclo na economia, mas a verdade é que os mais recentes indicadores económicos mostram que, afinal, o novo ciclo ainda é uma ilusão (ou um mito?). O que significa que Passos Coelho não consegue justificar – muito menos esconder – a sua principal fragilidade: apostou numa política financeira demasiado ortodoxa, em vez de adoptar um discurso coerente e credível, quanto à economia. Mérito para Pires de Lima que reforçou o discurso económico no executivo de Passos Coelho;
2) Colocou a discussão da reforma da segurança social num binómio “geração velha-geração nova”. Num tom que roça a culpabilização dos mais velhos pelos problemas dos mais novos. Ora, os portugueses, novos ou velhos, não têm culpa pelos desvarios da classe política! Este tom apenas promove a ruptura da coesão social e da solidariedade intergeracional. Mal!
3) A separação entre os negócios e o poder político não se consegue apenas pela não salvação pública do BES. Não pode ser casuística: tem de ser estrutural. Terá Passos Coelho coragem para aproveitar o momento e lançar o debate sobre reformas estruturais que impeçam que o mundo dos negócios exerça um coacção fáctica permanente sobre os decisores políticos? Veremos.
Por todas as razões expostas, julgamos que Passos Coelho merece 13 valores pelo discurso de ontem.
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