Veni, vidi, vici?

Durante três anos disse-se que a liderança de António José Seguro era fraca, frouxa, pouco convincente – e as eleições europeias, de facto, confirmaram-no.

Após três anos de austeridade – e apesar da queda a pique da coligação governamental – o PS ficou-se por uns modestos 31,5%, muitíssimo longe da percentagem necessária para formar Governo sozinho.
Com a agravante de serem umas eleições ‘a feijões’, em que o voto não tinha quaisquer implicações políticas internas e em que as pessoas podiam votar livremente, sem necessidade de calculismos. 
As europeias foram pois, para António José Seguro, uma enorme desilusão.
Aproveitando a onda, António Costa apressou-se a apresentar a sua candidatura à liderança do partido.
Fê-lo no local impróprio – numa homenagem a Maria José Nogueira Pinto – mas fê-lo, contrariando a ideia de que lhe faltava coragem para dar esse passo.

António Costa era visto há muito tempo – por comentadores, jornalistas e uma certa intelligentsia de esquerda – como o homem que inevitavelmente chegaria à liderança do PS, só não se sabendo quando.
As suas hesitações, porém, começavam a inquietar os apoiantes.
Assim, quando avançou, foi um suspiro de alívio – criando-se logo a convicção generalizada de que seria ‘chegar, ver e vencer’. 
Seguro parecia estar tramado – e até foi criticado por resistir ao avanço do seu camarada, em vez de lhe estender a passadeira vermelha.

Com o passar do tempo, porém, começou a perceber-se que não seria bem assim. 
Que a campanha para a liderança do PS não seria para António Costa um alegre passeio e que a vitória não eram favas contadas.
Seguro mostrava-se um osso bem mais duro de roer do que se calcularia.
Mais: quando chegou o momento de apresentar propostas, António Costa desiludiu.
Não lhe saiu da cabeça uma única ideia nova, uma surpresa, uma chispa.
Assistiu-se à repetição de velhas propostas – umas de Sócrates, outras de Seguro, outras da esquerda radical – num monótono déjà vu sem novidade.
Quando se esperava um discurso arrasador, entusiasmante, mobilizador, António Costa engasgou-se.

E depois deitou-se a fazer promessas a torto e a direito, parecendo empenhado numa disputa com Seguro para ver quem prometia mais.
Algumas das coisas que dizia, como a necessidade de fazer uma frente com outros países para bater o pé a Merkel, faziam perigosamente lembrar François Hollande – com a desvantagem de não ser líder de uma potência como a França nem ter o mesmo peso do Presidente francês.
E, mesmo assim, sabe-se como as promessas de Hollande acabaram.
Outro dia, António Costa criticava a solução encontrada para o BES, mas quando se esperava que fosse apresentar uma alternativa não disse nada.
E então veio à memória o apoio sem reservas que deu à nacionalização do BPN, a qual custou milhares de milhões de euros ao país. 
Uma pessoa que teve essa atitude deveria agora falar?
A propósito, uma das fragilidades de Costa é estar colado ao passado socrático – e de a sua vitória poder levar à área do poder os colaboradores de José Sócrates.
Com o risco de o país voltar para trás, como o caranguejo.

António Costa dizia há dias que esta ideia de fazer primárias no PS teve o objectivo de o «desgastar».
E talvez tenha razão.
De facto, de semana para semana, tem vindo a acusar algum desgaste.
Mesmo entre os seus apoiantes, o entusiasmo vai diminuindo.
Há desgaste na imagem, no fulgor, no discurso.
É que esta guerra é completamente diferente das outras lutas internas.
Nas outras, os líderes chegavam frescos à liderança, cheios de força; nesta, quer António José Seguro quer António Costa vão chegar de rastos.
Porque as acusações são tantas, os ataques pessoais tão violentos, as críticas tão fortes, as disputas entre apoiantes tão duras, que fazem desta campanha interna um momento muito mais desgastante do que uma campanha nacional entre partidos rivais.
As acusações que se fazem entre irmãos doem a dobrar.

O mais marcante  dos últimos meses, contudo, não são os episódios picarescos desta guerra – mas a desilusão que acabou por constituir o aparecimento de António Costa na política portuguesa ao mais alto nível.
Nem as suas propostas, nem a sua presença, nem o seu discurso foram empolgantes ou sequer convincentes.
António Costa não conseguiu convencer os adversários e desiludiu os apoiantes.
Esperava-se ver sair dali um napoleãozinho, um futuro ‘imperador’ socialista – mas essa expectativa cedo se gorou.
Costa pode ganhar as eleições no PS.
Mas boa parte do mito que ele constituía para muitos socialistas já se perdeu.