Promotor e agente de boxe mudou de sexo

Poder-se-ia pensar que o choque seria imenso. O boxe é um mundo de homens cheio de testosterona. Mas vivemos no séc. XXI e a sociedade está mais avançada do que se poderia pensar. E quando, na semana passada, o promotor e agente de boxe britânico Frank Maloney anunciou estar num processo de mudança de sexo,…

Frank Maloney ficou famoso por, na década de 90, ter conduzido Lennox Lewis ao título de campeão mundial de pesos pesados. Retirado dos ringues, no último ano tem estado também longe dos jornais. Agora regressou, depois do anúncio, aos 61 anos, da mudança de sexo, estando a submeter-se a terapias de voz, hormonais e psicológicas com o intuito de viver como Kellie Maloney.

Foi ao britânico Sunday Mirror que Kellie decidiu contar a sua história (depois de outros jornais ameaçarem desmascararem-na). Numa longa entrevista, revelou saber ser uma rapariga desde a infância, dizendo ter-se sempre sentido presa num corpo que não deveria ser o seu. Casado e com três filhos, não terá sido fácil a Frank assumir a verdade. Mas fê-lo por considerar ser já uma questão de vida ou morte. “Não podia continuar a viver nas sombras. Viver mais tempo com este peso ter-me-ia matado”, disse emocionado. “O que estava errado desde o nascimento está agora a ser medicamente corrigido. Tenho um cérebro feminino. Soube que era diferente desde que comecei a comparar-me com outras crianças. Não estava no corpo certo. Tinha inveja das raparigas”.

Mas Frank continuou a ser Frank e, de repente, estava em pleno mundo do boxe. E cheio de medo de revelar que, todos os dias, tinha vontade de se maquilhar e vestir uma saia e não umas calças e casaco masculinos. “Nunca fui capaz de contar a ninguém do mundo do boxe”, disse. “Consegue imaginar-me a entrar num ringue de boxe vestido de mulher?”, questionou. “Consigo imaginar o que me iriam gritar. No teatro ou nas artes ninguém iria sequer pestanejar perante esta transição”.

Ocultar o que sentia valeu-lhe uma enorme depressão e Frank chegou a internar-se numa clínica de reabilitação quando a vontade de se matar começou a crescer. E no ano passado decidiu abandonar o boxe a favor de uma vida de reclusão como Kellie, justificando a decisão por ter perdido a paixão pelo desporto. Na entrevista que agora deu ao Mirror confessou que isso era mentira. “Retirei-me porque queria fazer a transição de uma forma privada. Fechei os meus sites e as minhas contas de Facebook e de Twitter para o fazer pacificamente. As taxas de suicídio devido à pressão numa mulher transexual são muito altas. Não queria ser apanhada nisso” .

Sem contar com psicólogos e terapeutas, a mulher foi a primeira pessoa a quem contou a verdade. Percebeu que a tinha perdido ainda as palavras estavam a ser ditas. Mas já não havia volta atrás. Agora assumiu perante o mundo. “A comunidade do boxe pode pensar o que quiser sobre mim. Já aceitei a minha transição (…). Espero que a sociedade tenha uma mente aberta. Sei que poderia ter feito o meu trabalho no boxe como mulher”.

Kellie deve ter ficado surpreendida. Não têm faltado palavras de apoio desde que tornou público ser agora uma mulher. Desde logo as do seu campeão, Lennox Lewis, que emitiu um comunicado dizendo: “Este mundo em que vivemos não é sempre a preto e branco e vindo da comunidade do boxe posso imaginar o quão difícil deve ter sido esta decisão para a Kellie. Tendo lido as suas afirmações, compreendo melhor o que ela, e outros em situações semelhantes, estão a passar. Penso que todos deveriam ter direito a viver as suas vidas de uma forma que lhes dê paz e harmonia interiores. Respeito a decisão da Kellie e se é assim que será feliz, seja”. No Twitter também não faltaram manifestações de apoio, como a de Tony Jeffries, campeão de boxe europeu, agenciado por Maloney: “Fair play para ele por se ter assumido. #BeHappy #1Life”. Ou a do ex-campeão Johnny Nelson: “Frank Maloney, li a tua história. É a tua vida, não deixes que os outros te impeçam de seres quem és. Ignorância é o problema deles, não teu”. 

rita.s.freire@sol.pt