Porque num país, como é o caso de Portugal, em que os níveis de literacia ainda são baixos e os níveis culturais ainda são insípidos, a televisão exerce um papel central. A televisão é um agente social: quantas pessoas, sobretudo entre a população envelhecida, vivem isoladas, apenas com a companhia das pessoas que diariamente surgem nos ecrãs televisivos? São milhares. E, por conseguinte, as figuras públicas televisivas acabam por integrar a família destes cidadãos, cuja única forma de vivência na pólis e de partilha até de sentimentos é por via da televisão. Uma das figuras do jornalismo português televisivo (a televisão hoje ainda é o meio de comunicação mais preponderante) mais queridas dos portugueses é Judite de Sousa. A quem os telespectadores associavam a imagem de dura, exigente, implacável- mas simultaneamente ternurenta, bem resolvida, sem medo, entusiástica e entusiasmante. De repente, a figura que os portugueses achavam intocável – porque os telespectadores acham sempre que as figuras públicas, sobretudo as televisivas, são imunes a qualquer tipo de “problema comum”, como que vivem numa outra galáxia – sofre o problema que é o grau máximo daquilo que representamos como tragédia: a morte de um filho. E de um filho único – numa altura em que as revistas exploravam uma potencial solidão da jornalista. O nosso maior pesadelo aconteceu – e aconteceu na vida de uma figura pública que, na nossa ideia, vive no país das maravilhas, sempre animada, sempre preparada para fazer melhor a vida dos outros. A vida de todos nós que assistimos aos seus programas, às suas entrevistas, esquecendo-nos que ali está uma pessoa exactamente como nós.
2. Por isso, o regresso de Judite de Sousa é relevantíssimo para a própria, mas socialmente representa algo extraordinário: representa a vitória da paixão, do amor pela memória do filho e pela profissão que exerce – amor esse que venceu todo o sofrimento que Judite Sousa sofreu e sofre. É um exemplo de força, de humanidade e de altruísmo: Judite de Sousa sabe que faz companhia e dá alegria a muitos portugueses e ao voltar, retribuindo este “convívio” com os portugueses, está a honrar a memória do seu filho. Não deixa de ser irónico que o anúncio do regresso de Judite de Sousa coincida com a notícia de que as depressões em Portugal e o consumo de farmacêuticos para debelar esta doença estão a crescer. Todos nós temos uma missão neste Mundo e uma razão para continuar a viver – é preciso encontra-la e nunca desistir. Judite de Sousa lembra-nos, ao voltar à sua vida profissional, esta lição: e, por isso, lhe estamos gratos. Na vida, mais do que nunca, é fulcral garantir que o acessório nunca, mas nunca, obscurece o essencial.
Naturalmente, para a Judite e para todos os portugueses que já se confrontaram com circunstâncias similares, o nosso Muito Obrigado. E força!