“Já viste que não há memória de tão pouca área ardida em Portugal, até 15 de Agosto, como este ano? Apenas 8.645has”, atirou-me logo, mal a conversa descambou para a politica.
“Mas não achas que isso se deve mais à meteorologia, e à amenidade deste Verão?”, contrapus eu.
“Lá estás tu, sempre a querer desvalorizar a acção deste Governo”, lamentou-se ele, ensombrecendo a expressão. “Se não te conhecesse bem, até era capaz de achar que te deu para o socratismo. Pois tu não vez que a meteorologia pode fazer o que bem quiser, mas se não for o Governo, o Pais arde todo na mesma? Ou também me vais dizer que a descida dos juros da dívida pública, nos mercados primário e secundário, se devem mais ao BCE do que ao nosso Governo?”
“Para dizer a verdade, é isso mesmo que penso. Se não, destacávamo-nos sozinhos, e não andávamos com os juros a descer atrás dos espanhóis, italianos ou gregos”.
“E não achas que são antes os espanhóis, os italianos e os gregos, mais o BCE, a beneficiarem da politica do nosso Governo?”, questionou-me ele, de semblante já animado.
“Se o Governo é assim tão miraculoso, porque não faz a reforma da administração pública, não diminui a dívida, e não evita a asfixia económica?”, atirei-lhe eu, maldosamente, a esfriar-lhe o entusiasmo.
Não esfriou. Tinha resposta pronta: “A reforma da administração pública, é uma ninharia que qualquer outro Governo pode fazer; já a austeridade e a asfixia económica são as nossas grandes armas para vergar a Europa. Quando acusam Passos de se submeter acriticamente a Merkel, não reparam que ele está realmente a entalá-la com o aumento da dívida e a asfixia económica. Ainda nos hão-de vir agradecer por isso, talvez num próximo Governo já diferente (o eleitorado é ingrato, mas pode ser que precisem de nós, com ou sem Passos, para fazer maioria parlamentar), por termos levado a Europa a cair em si”.
“Mas se é assim, porque não atenuam injustiças, cortando nas mordomias politicas?”.
“Que ingénuo!”, retrucou ele, com pena do que achava ser a minha falta de uma visão larga. “Se a injustiça não for gritante, a asfixia económica aviltante, o drama pungente, acreditas que Bruxelas, onde nem o nosso Barroso mexeu uma palha por nós (a não ser que estivesse dentro desta estratégia do PSD), se disporia a mudar alguma coisa? Assim, ao menos, já temos Draghi a falar contra a austeridade, e o Governo francês de pantanas”
Para nos pormos realmente de acordo, foi preciso mudar a conversa para a literatura, a música, a arte contemporânea, o golfe, etc. Não há nada como termos a Cultura e o Desporto (futebol é que não, porque somos de clubes irreconciliáveis), para uma conversa agradável e lógica.