O colapso do GES precipitou-se nos últimos meses, mas o início dos problemas remonta a 2008. Nesse ano, começaram a ser omitidas dívidas nas contas da Espírito Santo International (ESI), a holding do grupo que esteve na origem do queda do banco. E desde então foram levadas a cabo operações de financiamento junto de clientes particulares do banco, assentes em informação financeira que poderia não corresponder à verdade.
Desde 2008, a CMVM realizou 24 acções de fiscalização a entidades do grupo BES e GES por irregularidades detectadas em intermediação financeira e gestão de investimentos colectivos – algumas delas levaram a multas e outras estão ainda em investigação.
Durante todo este período, os gestores da Comissão Executiva do BES foram recebendo prémios anuais. Embora os bónus tenham sido cortados na totalidade em 2012 e 2013, foram generosos mesmo em anos complicados da crise. Só em 2008, a Comissão Executiva recebeu 8,8 milhões de euros em prémios, fora os salários-base.
Os prémios variáveis chegavam a ser superiores ao vencimento fixo e, como presidente da Comissão Executiva, Ricardo Salgado era o mais bem remunerado. Em 2010, por exemplo, recebeu um total de 1,2 milhões de euros – 674 mil em prémios e 546 mil em remuneração fixa.
Processos em marcha
Mesmo que a contestação de accionistas ou credores do BES venha a subir de tom – há várias acções legais em preparação – os bónus pagos a gestores eventualmente acusados de gestão danosa são intocáveis. “Não há propriamente uma figura legal que permita a devolução dos prémios. Os lesados terão de pedir uma indemnização depois de os tribunais decidirem se houve actuação danosa dos gestores”, explicou ao SOL um sócio de um escritório de advogados multinacional, que pediu para não ser identificado.
Para já, os processos em preparação são sobretudo dirigidos à solução adoptada pelo Banco de Portugal (BdP). Os accionistas e detentores de dívida subordinada do BES que passaram para o ‘banco mau’ estão na linha da frente da contestação. Segundo o mesmo advogado, acções de credores terão mais hipóteses de sucesso do que de accionistas: “Nos credores há um grau de risco diferente. Podem alegar que foram defraudados com a decisão de separar o património. Nos accionistas a situação é mais delicada: ser accionista de uma empresa implica sempre o risco de prejuízos ou de falência”.
O escritório de Miguel Reis, o advogado que publicou há semanas a acta do Banco de Portugal (BdP) que decidiu o resgate do banco, é um dos que estão envolvidos na assistência a estes pequenos investidores. Segundo adiantou ao SOL, vão entrar “algumas acções” em tribunal.
A sociedade de advogados publicou esta semana no site alguns argumentos jurídicos contra a actuação dos reguladores. Por um lado, a decisão do BdP de separar activos é “confiscar o património” do BES, transferindo-o para uma nova entidade “à custa dos accionistas”.
O escritório de advogados considera que o BdP e a CMVM são “os garantes da fiscalização da legalidade”, “indispensáveis à segurança dos investimentos”, pelo que o caso BES demonstrou que “as entidades reguladoras não terão cumprido as suas obrigações”.
Do lado dos reguladores, a convicção é a oposta. O Banco de Portugal indicou ao SOL que está certo da “robustez” jurídica da solução adoptada no caso BES, tendo em conta o quadro legal europeu e nacional. Adivinham-se tempos agitados na Justiça.