As amizades pouco recomendáveis dos famosos

À primeira vista, dir-se-ia que Vladimir Putin, o todo-poderoso Presidente da Federação russa, e Steven Seagal, estrela de filmes de pancadaria, têm pouco em comum. Mas só à primeira vista. Mestre de judo e detentor de cinturão negro de 6.º dan (nível seis em dez possíveis), Putin foi campeão da modalidade em S. Petersburgo. Por…

As amizades pouco recomendáveis dos famosos

Noutra ocasião, Seagal declarou que o Presidente russo é “um dos grandes líderes mundiais vivos” e que “gostaria de o considerar um irmão”. Em Agosto, o actor norte-americano participou num espectáculo de apoio à anexação da Crimeia, em Sebastopol. O evento foi promovido pelos Lobos da Noite, um clube de motoqueiros nacionalistas próximo de Putin, que é também ele um motard entusiasta.

A admiração pelo Presidente russo é partilhada por outro 'durão' de Hollywood. Mickey Rourke, que desde 2009 mantém uma relação com a modelo Anastassija Makarenko, de 27 anos, esteve em Moscovo há duas semanas, onde ostentou uma t-shirt com a efígie de Putin. Ao todo há quinze modelos diferentes e as receitas das vendas (cada t-shirt custa 25 euros) vão para a caridade. Na altura, Rourke disse à Sky News: “Encontrámo-nos um par de vezes e ele foi um autêntico cavalheiro, um tipo normal e muito porreiro, que me olhou olhos nos olhos. Penso que ele é um bom tipo, caso contrário acreditem que não usava esta t-shirt”.

Putin e Rourke têm em comum a paixão pelo boxe, modalidade que poderá ter estado na origem das várias cirurgias faciais a que o actor se sujeitou: “Fiz cinco operações ao nariz e outra a uma maçã do rosto esmagada. A maioria foi para corrigir os problemas que tive na cara devido ao boxe, mas fui ao homem errado para me reconstituir a cara”, disse a esse respeito o actor de Nove Semanas e Meia e de O Wrestler. Problemas que não impediram o antigo galã, hoje com 61 anos, de voltar aos ringues. Na sua visita a Moscovo Rourke aproveitou para calçar as luvas num treino aberto ao público.

Gérard Depardieu constitui o terceiro vértice do triângulo dos amigos célebres de Putin. Em Janeiro de 2013 o actor francês mudou-se de armas e bagagens para a Rússia, de forma a evitar a carga fiscal que iria ter de suportar no seu país. Putin recebeu-o de braços abertos, literalmente, e concedeu-lhe dois passaportes e um apartamento. Em troca, Depardieu disse que “a oposição russa não tem programa” e criticou a banda de protesto Pussy Riot.

Em declarações à Businessweek, da cadeia Bloomberg, Nina Khrushcheva, professora de relações internacionais da Universidade de Columbia e bisneta de Nikita Khrushchev, recordou que a sedução de celebridades estrangeiras tem tradição na Rússia. “É uma prática da era soviética”, notou Khrushcheva, citando os convites endereçados por Estaline a H.G. Wells, autor britânico de ficção científica, e a George Bernard Shaw, prémio Nobel da Literatura. Wells, que entrevistou Estaline nessa visita de 1934, disse que o ditador lhe parecera um homem “cândido, justo e honesto”.

Líderes sedutores

Também na década de 30 do século passado, mas mais a Ocidente, Adolf Hitler admitia no seu círculo de amigos uma actriz, dançarina e realizadora. Leni Riefenstahl havia ficado impressionada com um discurso do líder do Partido Nacional Socialista a que assistira em 1932. Escreveu então uma carta solicitando um encontro, após o qual Hitler lhe encomendou um filme de propaganda de quatro horas sobre o comício de Nuremberga de 1933. Nascia assim O Triunfo da Vontade.

Continua por esclarecer se a relação entre o Führer e a realizadora foi ou não de natureza sentimental – um colaborador próximo de Hitler disse que foi ele quem rejeitou os avanços da amiga. Certo é que acabaria por esmorecer ao fim de 12 anos. Viram-se pela última vez no casamento de Leni, a 21 de Março de 1944. A artista viria a descrever assim a ligação: “Foi a maior catástrofe da minha vida. Até ao dia em que morrer as pessoas continuarão a dizer 'A Leni é nazi'“.

La Havana, Primavera de 1959. Fidel Castro acaba de assumir o poder e convida a actriz Ava Gardner para visitar a ilha de Cuba. Diane Ducret, em Femmes de Dictateur (Mulheres de Ditadores, 2.º vol.) conta que Gardner ficou instalada no hotel National e que Fidel “se mostrou mais do que encantador”. “Mostrou à americana o seu quartel-general antes de a instalar no terraço [do Hilton] para degustar alguns cocktails na sua companhia”. Dizem as más-línguas que a actriz se deixou seduzir apesar de o revolucionário ter uma meia de cada nação, e que de regresso aos Estados Unidos falou entusiasticamente de Castro.

Em Janeiro desse mesmo ano de 1959, no mesmo cenário, tivera início outra bela amizade. Gabriel García Márquez chegou à capital cubana na companhia do seu amigo Plinio Apuleyo Mendoza para testemunhar os julgamentos de elementos do regime de Fulgencio Batista (o ditador apoiado pelos EUA que terminou a vida exilado no Estoril). Pragmático e hospitaleiro, Fidel acolheu-o com uma pergunta: “Já comeste?”. A amizade durou até à morte do Nobel colombiano e valeu-lhe duras críticas. Mas García Marquez defendeu-se sempre dizendo que esta relação lhe permitia exercer uma boa influência sobre o líder cubano, 'amaciando' as suas posições.

Amigo declarado de Fidel Castro, o realizador e produtor Oliver Stone dedicou em 2004 um documentário ao Comandante. Mais recentemente, Stone, autor de filmes controversos como JFK, Nascido a 4 de Julho e Larry Flint, reagiu assim à morte de outro lídel sul-americano, Hugo Chávez: “Choro a morte de um grande herói para a maior parte do seu povo e para aqueles que lutam em todo o mundo pela paz. Odiado pelas classes instaladas, Chávez viverá na História para sempre”.

Mais inusitada foi uma declaração proferida por Sean Penn em 2010, defendendo que os jornalistas que chamavam 'ditador' a Chávez deviam ser presos: “Todos os dias, este líder eleito é apelidado de ditador e nós aceitamos isso uma vez e outra. Devia haver uma regra pela qual uma pessoa ia para a prisão por causa deste tipo de mentiras”.
Curiosamente, Chávez sempre foi um crítico feroz dos EUA e das suas políticas. Chamou-lhes “a maior ameaça que paira sobre o nosso planeta” e apelidou George W. Bush de “Diabo”

O casal Marcos e o canibal

A década de 70 foi uma época de ouro para muitos ditadores do mundo em desenvolvimento. Nas Filipinas, o casal Ferdinand e Imelda Marcos (que se tornaria célebre pela sua colecção de sapatos) organizou para o final de 1975/ início de 1976 uma festa de arromba. As celebrações de fim de ano começaram num casino flutuante acabado de inaugurar e contaram com a presença de membros da aristocracia europeia, de Antenor Patiño, o milionário boliviano filho do 'rei do estanho' e dono de um palácio no Estoril, e da voluptuosa actriz italiana Gina Lollobrigida. Segundo o Milwakee Sentinel de 2 de Janeiro de 1976, “no palácio presidencial, a senhora Lollobrigida passou por três árvores de Natal requintadamente enfeitadas e tão altas que chegavam ao tecto, em direcção ao terraço. O baile começou e Marcos galantemente circulou pelo soalho com a actriz”.

Já outro ditador, com fama de canibal, teve menos sorte: levou uma 'tampa'. Jean-Bédel Bokassa, auto-proclamado Imperador Centro-Africano entre 1976 e 1979, era conhecido também por coleccionar amantes. Fascinado por Brigitte Bardot, quis convidar a actriz a visitá-lo. O facto de desconhecer o endereço da estrela francesa não o fez recuar: enviou o telegrama para a embaixada russa em Paris. “Só têm de atravessar a rua”. O documento foi reproduzido por Diane Ducret em Femmes de Dictateur 2: “Cara Mademoiselle Bardot, convido-a para a minha corte de Barengo com todas as despesas pagas […]. Terá à sua disposição na corte um banquinho, poderá conversar com a imperatriz e penso em si para uma pedra muito bela”. A promessa da pedra não foi cumprida, pois BB não aceitou o convite.

Em tempos mais recentes, Naomi Campbell estava no seu quarto de hotel na África do Sul quando foi acordada por homens a bater-lhe à porta. “Deram-me umas pedras de aspecto sujo”, disse a supermodelo. As pedras de aspecto sujo, haveriam de revelar-se diamantes de sangue oferecidos por Charles Taylor, o antigo Presidente da Libéria. Num banquete oferecido por Nelson Mandela, Campbell e Taylor, em 2012 condenado por homicídio, violação e outros crimes, sentaram-se lado a lado.

'Belos carniceiros'

Três anos antes da revolução islâmica que derrubou o regime do Xá, uma estrela da cultura pop brilhava com mais intensidade do que qualquer outra. “O Andy foi convidado para um banquete de Estado para o Xá do Irão, oferecido pelo Presidente [dos EUA] e pela Sr.ª Ford. Nesse jantar ele teve uma breve conversa com ela [Farah Diba, a mulher do Xá]”, disse Bob Colacello, biógrafo de Andy Warhol, à Public Radio International.

Pouco tempo depois, Warhol era convidado para ir a Teerão fazer um retrato da imperatriz, e Bob Colacello seguiu com ele.

A capital iraniana era nesses dias uma cidade moderna e cosmopolita. Havia funcionários do regime que apanhavam o avião para ir almoçar a Munique, enquanto outros encomendavam comida directamente dos melhores restaurantes de Paris. “Na maioria, o mundo que vimos era muito avançado”, recordou Colacello.

Dispondo de meios quase ilimitados e estabelecendo contactos com responsáveis das leiloeiras Christie's e Sotheby's e da galeria Beyeler, na Suíça, a Imperatriz constituiu uma colecção que hoje é considerada a mais valiosa do seu género fora dos EUA e Europa. Inclui obras de artistas como Pollock e Francis Bacon, mas encontra-se guardada nas caves do Museu de Arte Contemporânea de Teerão.

No regresso aos EUA, Warhol deparou-se com críticas ferozes. Em Novembro de 1977 o jornal The Village Voice mostrava uma foto de Warhol e a Imperatriz em frente ao retrato icónico feito pelo artista. O título diz tudo: 'Belos Carniceiros – o Xá serve caviar e tortura'.

Duplas que parecem triplas

O facto de a Coreia do Norte ser um dos regimes mais fechados e repressivos do mundo não dissuadiu o basquetebolista Dennis Rodman de estabelecer uma relação com o seu misterioso Chefe de Estado, Kim Jong Un. Rodman alega que faz “diplomacia pelo basquetebol” e até já organizou um jogo com antigas estrelas da NBA em Pyongyang, a capital norte-coreana, por ocasião do aniversário do líder. Perante uma plateia de 14 mil pessoas, Rodman não só jogou como cantou os 'Parabéns a Você'.

Pensa-se que a relação entre o irreverente basquetebolista – que se tornou notado pelo seu temperamento conflituoso e pelos visuais excêntricos que combinavam o cabelo pintado de verde, por exemplo, com inúmeros piercings e tatuagens – e Kim Jong Un possa ter tido origem na paixão do pai do actual líder da Coreia do Norte por este desporto. Kim Jong-il, que também gostava de golfe, terá inclusivamente recebido da Secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright uma bola assinada por Michael Jordan.

Kadyrov e companhia

Outro desportista com fama de irascível e outro ditador de reputação duvidosa: Mike Tyson e o líder checheno são também bons amigos. Acusado de tortura e de assassínio, Ramzan Kadyrov conta, aliás, com um séquito de apoiantes invejável. O bom vivant Depardieu é um deles; Van Damme, que recebeu um milhão de dólares para estar presente no aniversário do checheno disse alto e bom som “I love you, Mr. Kadyrov”; e Seal cantou no evento. A actriz Hillary Swank também compareceu (ao contrário de Kevin Kostner, Shakira e Eva Mendes, que se recusaram), mas face à chuva de críticas acabou por penitenciar-se, alegando que desconhecia a reputação de Kadyrov.

A canadiana Nelly Furtado passou por uma situação semelhante após uma actuação para Muammar Kadhafi em 2007 a troco de um milhão de dólares. Quatro anos depois do espectáculo, o coronel líbio começou a ser acusado de reprimir com brutalidade os revolucionários da Primavera Árabe e a cantora decidiu doar o valor para obras de caridade. Beyoncé, Mariah Carey, Usher, 50 Cent, Lionel Ritchie e Jay-Z foram outros dos músicos que cantaram para o clã Kadhafi. Beyoncé optou por seguir a canadiana e doou os dois milhões do cachet para uma boa causa: ajudar as vítimas do terramoto do Haiti.

A lista de músicos de renome envoltos em polémica por actuarem para déspotas que violam os direitos humanos nos seus países quase não tem fim. Em 2013 Jennifer Lopez veio a público pedir desculpa por ter cantado no aniversário do Presidente do Turquemenistão, Gurbanguly Berdimuhamedow. Em 2009, Sting cantou para a filha de Islam Karimov (a mesma que contratou Depardieu para participar num filme seu), do Uzbequistão, justificando assim a sua opção: “Estou bem ciente da terrível reputação do Presidente Uzbeque no campo dos direitos humanos […]. Apesar disso, tomei a decisão de tocar. Cheguei à conclusão de que os boicotes não são apenas inúteis, são gestos contraproducentes, em que os estados proscritos […] se tornam mais fechados, paranóicos e insulares”. No ano anterior, havia sido Julio Iglesias a produzir um vídeo para a jovem Karimova.

Para fechar o capítulo das antigas repúblicas soviéticas, o caso de Kanye West. Em Setembro de 2013 o rapper recebeu três milhões de dólares para animar o casamento do neto do Presidente do Cazaquistão, o autocrata Nursultan Nazarbayev. Um cachet avultado, sem dúvida, mas ainda assim uma gota de água se comparado com os mil milhões de dólares provenientes de receitas petrolíferas que Nazarbayev, no poder há mais de 20 anos, terá desviado para contas pessoais. Uma soma suficiente para comprar muitos e bons amigos. 

jose.c.saraiva@sol.pt