Submarinos: Horta e Costa diz-se responsável por participação do GES nos negócios

O colaborador da empresa ESCOM Miguel Horta e Costa, consultor do consórcio alemão que forneceu submarinos a Portugal, assumiu-se hoje, numa atribulada audição parlamentar, como mentor da participação do Grupo Espírito Santo (GES) naqueles negócios.

Submarinos: Horta e Costa diz-se responsável por participação do GES nos negócios

A inquirição de mais de três horas, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito aos Programas de Aquisição de Equipamentos Militares (aeronaves EH-101, P-3 Orion, C-295, F-16, torpedos, submarinos U-209 e blindados Pandur II), foi interrompida diversas vezes pelo toque do telemóvel do autodenominado perito em armas e outros equipamentos, que se disse mero "homem das máquinas", até uma "pausa técnica" de cinco minutos para um telefonema e, finalmente, a intervenção de uma funcionária da Assembleia da República para silenciar o aparelho.

A dado passo, os deputados do PCP Jorge Machado e do PS Neto Brandão protestaram com a mesa, quer por se tratar de um inquérito que requer "dignidade" e não "de uma conversa de café", quer pelo seu carácter para-judicial, queixando-se da falta de respostas concretas, tendo o depoente já sido admoestado pela juíza responsável no processo judicial relacionado, no qual foi testemunha, por se esquivar a questões.

"Ficaria mais confortável em não responder sobre esse assunto", limitou-se a dizer quando questionado sobre se o designado "acordo de compensação", entre uma das empresas do consórcio germânico (Ferrostaal) e um conglomerado de congéneres lusas (ACEICA) dedicadas à indústria automóvel, tinha servido para legalizar facturas fictícias de alegadas contrapartidas por realizar, versão que confirmara em tribunal.

Miguel Horta e Costa descreveu uma predilecção, "desde miúdo", por material bélico e declarou ter sito por sua iniciativa, depois de estudar a economia e a banca portuguesas, que a ESCOM, administrada por um irmão, Luís, entrou nas negociações das contrapartidas, justificando o facto pela grande implantação do antigo Banco Espírito Santo junto das pequenas e médias empresas portuguesas.

"Logo a seguir ao 25 de Abril, tentei entrar nas Forças Armadas, mas já era velho de mais (26 anos) e fui procurar outra coisa. Achei que havia ali uma oportunidade. O equipamento militar nos anos 80 estava obsoleto. Portugal precisava de renovar. Os outros países não vendiam porque diziam que iria ser usado nas guerras em África. Gostava muito da área militar, interessei-me, corri a Europa toda e não só, nas feiras, e conheci muita gente do meio", disse.

Segundo o ex-consultor, que iniciara funções na ESCOM em meados da década de 1990 e referiu auferir 5.000 euros por mês sem outras retribuições, "não há hipótese nenhuma de fazer contrapartidas sem ganhar os concursos públicos".

"Através delas (contrapartidas) fomos buscar o pacote todo. Quando a ESCOM aceita pegar no novo aeroporto de Lisboa e aí há os primeiros contactos com a Ferrostaal, eu tento trazer também os submarinos. Os advogados até eram os mesmos (Vieira de Almeida e Associados), foi feito ao mesmo tempo", revelou, adiantando ter participado em vários outros concursos, embora só havendo negócio nos casos dos submarinos U-209 e dos helicópteros EH101.

Horta e Costa reconheceu ter aconselhado os responsáveis germânicos, num primeiro momento, a proporem o navio submersível "mais barato" para fazer frente à forte concorrência francesa e deixar por terra os restantes contendores – "até se dizia que era um Volkswagen com bancos de madeira" -, admitindo ainda a troca das especificações dos submarinos U-209 pelas dos U-214, já a meio do processo, só na "guerra" com o fabricante gaulês.

"Nas contrapartidas, o grande problema não está nos estrangeiros nem na indústria portuguesa. De cada vez que havia uma mudança de Governo, tudo o que tinha sido feito era 'torrado'. Era impossível haver continuidade e manter um projecto para além de uma legislatura", lamentou.

A ESCOM, que entretanto terá sido vendida ao grupo petrolífero angolano Sonangol, tinha actividade centrada naquele país africano, sobretudo no imobiliário e exploração de diamantes.

O processo de aquisição dos navios, seguindo a Lei de Programação Militar de 1993, ainda Cavaco Silva era primeiro-ministro, foi preparado por sucessivos governos, incluindo os dois minoritários de António Guterres. A decisão de compra aconteceu em Setembro de 2003, com o Governo, liderado por Durão Barroso e com Paulo Portas na pasta da Defesa, a optar pela proposta germânica em detrimento da francesa.

O negócio suscitou dois processos judiciais – um centrado nas contrapartidas da aquisição dos submarinos aos alemães, que culminou na absolvição em primeira instância de todos os arguidos, outro, relacionado com o negócio da compra e venda do equipamento, ainda em investigação no Ministério Público. Na Alemanha já se verificaram condenações por crimes de corrupção e tráfico de influências.

Os submarinos portugueses Tridente e Arpão, começados a construir na Alemanha em 2005, custaram até agora ao Estado português mais de mil milhões de euros, embora houvesse a previsão de 100% de contrapartidas. O primeiro destes navios foi entregue à Armada lusa em 2010.

Lusa/SOL