Este país não é para gordos

Pedro Medina Teixeira chegou a pesar 240 quilos e hoje vive com uma pensão de invalidez de 284 euros. Clarisse quase foi impedida de seguir o seu sonho por ser considerada gorda. Mas a obesidade não é apenas um peso para os que dela sofrem: por ano, custa aos cofres do Estado cerca de 600…

2,1 mil milhões. Este é o número de pessoas com excesso de peso e obesas em todo o mundo, segundo um estudo realizado entre 1980 e 2013, e publicado pela revista médica Lancet em Maio deste ano. Em Portugal, o excesso de peso afecta 54,6% das mulheres e 63,8% dos homens adultos.

Pedro Medina Teixeira, de 44 anos, é um desses homens. Chegou a pesar 240 quilos. «O meu problema da obesidade começou quando tinha 11/12 anos», conta à Tabu. «A separação dos meus pais mexeu muito comigo e comecei a usar a comida como refúgio».

Ao longo da adolescência foi tentando regular o peso com o rugby, que praticava quase diariamente, mas aos 20 anos já tinha atingido 160 quilos. Chegado a esse ponto, decidiu colocar uma banda gástrica – uma cirurgia que consiste na colocação de uma banda à volta do estômago e que limita a entrada de alimentos, fazendo com o indivíduo fique mais saciado com menores quantidades de comida. «Fui das primeiras pessoas a fazer este tipo de cirurgia em Portugal. Consegui perder 80 quilos». Todavia, a falta de cuidado com a alimentação, o abandono da prática desportiva e um emprego sedentário – trabalhava em bombas de gasolina – fez com que Pedro, 11 anos depois da primeira operação, ultrapassasse os 200 quilos. E com este descontrolo surgiram novos problemas de saúde: úlceras, apneia de sono e hipertensão.

«A obesidade é um problema de saúde pública que custa ao Governo actualmente cerca de 600 milhões de euros por ano», afirma Carlos Oliveira, presidente da ADEXO (Associação de Obesos e Ex-Obesos de Portugal). O valor é calculado em função do custo que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem de suportar quando estes doentes dão entrada nas urgências dos hospitais com problemas derivados da obesidade. «Se o Estado tratasse o problema da obesidade pela raiz, outros problemas de saúde desapareceriam e este valor diminuía consideravelmente».

Há três anos, Pedro Teixeira submeteu-se a uma segunda cirurgia, um bypass – um desvio no tubo digestivo em que se liga o esófago directamente ao intestino, fazendo com que a comida não passe pelo estômago. A operação mudou principalmente a forma como encara a sua doença: começou cuidar mais a sua alimentação e voltou a incluir o desporto na sua vida. Actualmente encontra-se com 130 quilos.

Estas intervenções só foram tornadas possíveis pela proximidade entre o paciente e o seu endocrinologista. «O meu médico viu-me crescer e nunca me levou nada pelas consultas. O bypass que fiz, se não fosse por ele se calhar ainda não o tinha feito».

Trata-se, no entanto, de um caso excepcional em Portugal, como explica o presidente da ADEXO. «Morrem cerca de 1.500 pessoas por ano nas listas de espera para os tratamento da obesidade – a maior lista de espera de todas as cirurgias no país. A Plataforma Nacional contra a Obesidade diz que está a diminuir as listas, mas isso só acontece porque os hospitais não deixam entrar ninguém para uma primeira consulta de obesidade. É fictício». Segundo o estudo da Lancet, só em 2010, o excesso de peso e a obesidade custaram a vida a cerca de 3,4 u milhões de pessoas em todo o mundo.

Carlos Oliveira refere ainda que o hospital São João, no Porto, é o centro médico onde estão a ser feitas mais de 50% das cirurgias.

A alternativa é recorrer aos hospitais privados, mas para isso são necessários recursos financeiros, uma vez que os seguros de saúde também se recusam a comparticipar este tipo de tratamentos. «Os seguros fazem a mesma burrice que o Governo. Ainda não perceberam que gastam mais dinheiro a tratar os remendos das doenças dos segurados obesos».

Discriminação

Devido à obesidade, Pedro Medina Teixeira foi obrigado a reformar-se por invalidez aos 40 anos – quando pesava 240 quilos. Recebe uma pensão de 284 euros mensais. «Vivo com a minha mãe, que também está reformada, e se não fosse ela era impossível viver». Por mais que se esforce na procura de emprego, nunca foi chamado para uma entrevista. «A sociedade discrimina o diferente, não é só o obeso. Um indivíduo pode ser muito competente mas está excluído à partida porque é gordo, independentemente das provas que dê», afirma Carlos Oliveira.

Quem também sofreu na pele o estigma da obesidade foi Clarisse Santos, que cresceu numa época em que «ser um bebé gordo é que era saudável», recorda. «Ainda hoje, se fechar o olhos, consigo sentir o cheiro da colher com tonosol [estimulante de apetite] que tomava quando era criança».

Apesar de sempre ter sido uma criança gorda, o verdadeiro confronto de Clarisse com o seu excesso de peso só se deu aos 18 anos. «Apesar de ter notas para entrar na Escola de Enfermagem no Hospital de Santa Maria, o doutor que me fez o exame médico disse-me: ‘Tu és gorda demais para ser enfermeira’ e fui automaticamente excluída».

Na época, Clarisse não deixou que este choque emocional a impedisse de seguir o seu sonho: no ano seguinte, candidatou-se a uma universidade privada e licenciou-se em Enfermagem, mantendo sempre o mesmo peso. Quando, numa segunda gestação, perdeu uma gravidez gemelar, ficou descompensada a nível psicológico. «A comida era a maneira de eu me sentir consolada, de preencher um vazio». Aos 33 anos, Clarisse atingiu os 136 quilos. «Os enfermeiros trabalham por turnos e erramos muito na alimentação. Se fosse preciso estávamos oito/nove horas a cafés com açúcar e depois éramos capazes de comer uma feijoada às duas da manhã».

Fast food: o preço e a factura

As questões emocionais e os horários de trabalho têm um grande peso no tipo de alimentação dos doentes obesos mas a crise económica também tem ‘culpas no cartório’. As famílias com rendimentos baixos recorrem cada vez mais a uma alimentação barata, como a fast food e as refeições pré-cozinhadas. «O que está disponível, em termos de vegetais e fruta, é caríssimo comparado com a fast food. É preciso dar condições para as pessoas poderem ter uma alimentação o mais saudável possível. E se as pessoas não têm dinheiro, não compram comida saudável», refere Carlos Oliveira.

Ainda assim, muitos erros alimentares são cometidos por uma falta de informação. Cristina (nome fictício), de 23 anos, cresceu numa família de obesos e recorda: «Lembro-me que tive de fazer uma composição para o Dia do Pai, em que escrevi que o pai era fixe porque nos levava ao McDonald’s». Relembra ainda as competições de comida que fazia com o irmão: «Ele enchia o prato e eu também para ver quem comia mais».

Cristina só notou uma mudança nos hábitos alimentares em casa quando os pais tiveram de ser operados, em consequência de problemas relacionados com a obesidade. O mesmo aconteceu em casa de Clarisse, depois de se submeter a uma banda gástrica e a um bypass. «A comida que comprava para um mês passou a durar para três e éramos na mesma quatro pessoas e três cães. Toda a gente se ri quando eu digo isto, mas na casa de um gordo até o passarinho e o cão são gordos. E quando mudamos, mudamos todos».

rita.porto@sol.pt