Melhores condições de higiene e alimentação, exigiam os reclusos, que se revoltaram ainda com os abusos de guardas e o estado das infra-estruturas. Num relatório da ONU divulgado esta semana, a sobrelotação e o uso excessivo da pena da privação de liberdade voltaram a ser algumas falhas apontadas ao sistema prisional brasileiro – que alberga mais de meio milhão de pessoas.
Duarte Nuno Vieira, perito português do Conselho Internacional de Reabilitação de Vítimas de Tortura, está familiarizado com este cenário. “Não sei o que originou este motim mas, tendo conhecido as condições existentes em diversas prisões do estado de São Paulo, não me surpreende. Um dos principais problemas é a taxa brutal de sobrelotação, o que só por si basta para gerar uma situação de conflito”, conta ao SOL o ex-presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, que já visitou, ao serviço das Nações Unidas, da Cruz Vermelha e da Amnistia Internacional, centenas de prisões em todos os continentes, onde examinou reclusos e condições de detenção.
Nesta matéria, sublinha, o Brasil “é um país de contrastes, com prisões exemplares que cumprem os standards internacionais, e outras com condições absolutamente sub-humanas”. E exemplifica: “Estive numa prisão do Rio de Janeiro que tinha celas com capacidade para seis pessoas e onde estavam 60. Os reclusos estavam deitados em redes, uns em cima dos outros, só dois ou três é que se punham de pé de cada vez. As necessidades eram feitas num buraco no canto da cela, à vista de todos”.
De mãos dadas com a sobrelotação, as “péssimas” condições de higiene são outro problema: “Falo de celas sem instalações sanitárias nem desinfestação periódica, onde não há lençóis nem roupa adequada. Celas cheias de lixo, por vezes com ratos do tamanho de coelhos”.
Nuno Vieira recorda ainda a atitude “particularmente agressiva” dos guardas para com os reclusos – “alguns tinham sinais claros de tortura, eram agredidos com bastões, choques eléctricos, chicotadas” – e o clima violento entre reclusos.
133 reclusos portugueses
Na ressaca do motim em Cascavel, que durou 44 horas e envolveu 800 dos mil reclusos, foram apreendidas armas artesanais usadas para decapitar uns e fazer outros reféns. “Nas prisões acabam sempre por circular armas, consegue-se desviar um cabo de ferro, um fio de arame, produzem-se instrumentos cortantes com relativa facilidade”, sublinha o perito.
No ano passado, segundo adiantou ao SOL fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um cidadão português deu entrada em Cascavel. Ao todo, 133 portugueses estão actualmente detidos neste país, a maioria (82) por tráfico de droga.