Pelos caminhos do vinho Verde

O vinho verde anda nas bocas do mundo, literalmente. E para isso muito têm contribuído as ‘operações de charme’ que se fazem à sua volta. O favoritismo dos tintos e dos brancos está a esmorecer cada vez mais. Os verdes começam a ganhar um terreno que já não é só visível em hectares, mas principalmente…

Pelos caminhos do vinho Verde

O trabalho da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV) também tem ajudado quem está no terreno. 1,6 milhões de euros é a fatia do investimento para a região, até Março de 2015, através do projecto Minho IN, financiado pelo PROVERE – Programa de Valorização Económica dos Recursos Endógenos, do QREN. Houve que 'educar' primeiro os produtores a organizarem a oferta. E depois da formação e consultadoria em vários domínios do enoturismo, o trabalho faz-se agora ao nível da promoção.

“Hoje temos uma Rota dos Vinhos Verdes organizada, com cerca de 60 aderentes, e estamos a procurar posicioná-la e divulgá-la ainda mais, não só ao cliente mas também aos produtores, para que estes se entusiasmem e aprendam como fazer do enoturismo uma parte do seu negócio”, relata o presidente da CVRVV, Manuel Pinheiro.

Um museu do Vinho Verde – da responsabilidade da Câmara Municipal de Ponte de Lima – e novas ofertas temáticas dentro da Rota dos Vinhos Verdes são outros chamarizes para o crescimento do turismo na região. “Uma dessas rotas temáticas é dedicada à aguardente velha. O cliente russo, que está a crescer cada vez mais, pede-nos isso. As outras serão dedicadas aos solares, aos espumantes, aos vinhos verdes orgânicos ou biológicos, sendo estes últimos muito procurados pelos EUA e pelo Norte da Europa, e ao Alvarinho”, revela Sofia Lobo, a responsável pela Rota.

Cerca de 50 quintas – 12 com alojamento turístico e uma com restaurante aberto ao público – fazem parte desta rota, sendo os restantes aderentes unidades hoteleiras e outros restaurantes da região.

Um hobby que virou coisa séria

A Quinta de Santa Cristina, produtor de Celorico de Basto com 50 hectares de vinha e uma produção de 250 mil garrafas por ano, foi a última a juntar-se à Rota dos Vinhos Verdes. O negócio começou pelos vinhos, há dez anos por carolice, mas, recentemente, e com a construção de uma adega nova, este projecto familiar começou a dar os primeiros passos no enoturismo. “Tenho actividade noutra área de negócio. Mas quando me apercebi que não tinha feitio para estar no café a jogar à sueca quando me reformasse, começámos este projecto por hobby, isto numa altura em que ficámos com as terras da família”, conta bem-disposto o proprietário António Pinto.

O investimento na nova adega, concretizado em 2013, totaliza 1,2 milhões de euros e foi comparticipado em 30% pelo PRODER. A adega e a loja estão prontas, mas faltam agora alguns equipamentos, o laboratório, a sala de provas e um espaço multiusos, que acolherá eventos diversos e terá ligação a uma cobertura ajardinada com vista para o Marão, a Senhora da Graça e o Alvão. Tudo previsto para 2015.

“Este projecto está pensado para termos aqui até um milhão de litros – 1,4 milhões de garrafas -, sem deitar paredes abaixo”, avança António Pinto, de 71 anos. “É um grande investimento, mas os negócios são mesmo assim. Ou corremos alguns riscos ou paralisamos. Era agora ou nunca”, acrescenta Mónica, de 39 anos, que administra o negócio juntamente com o pai.

As visitas à nova adega, pensada para que os trabalhadores andem o mínimo possível dentro do edifício, já vão acontecendo, apesar de a Quinta de Santa Cristina ainda não ter essa oferta organizada. Está “de portas abertas”, recebendo para já “gratuitamente” os visitantes. Neste momento, pai e filha encontram-se a ultimar o seu primeiro programa turístico nas vindimas, que se realizarão em Outubro.

Em 2015, a família Pinto, que facturou 500 mil euros no último ano e está presente em cinco mercados internacionais, pretende também assinalar percursos pedestres e de bicicleta na vinha. “Se soubesse o que era isto tinha começado há 30 anos”, remata António Pinto.

Hotel de três milhões

A Quinta da Lixa, um dos grandes produtores dos vinhos verdes, é outra que está a construir um hotel rural em Amarante. Com um volume de negócios de quase seis milhões de euros e mais de 30 marcas, o produtor de Felgueiras está ainda presente em 31 mercados. Trata-se de um projecto que está a avançar com financiamento próprio e que está orçado em cerca de três milhões de euros.

Na Quinta de Sanguinhedo, “uma propriedade com cerca de 30 hectares, 22 dos quais de vinha”, vão nascer 30 quartos, recepção, restaurante, wine bar, zona de visitas, uma pequena adega experimental e um spa vínico. “Na mini-adega, o hóspede poderá ser enólogo por um dia – podendo participar, de resto, em todas as actividades relacionadas com a produção de vinho, inclusive as vindimas”, avança o enólogo da Quinta da Lixa, Carlos Teixeira. A nova e moderna unidade hoteleira promoverá “provas e cursos de prova”, bem como “jantares vínicos e temáticos”.

Actualmente, a Quinta da Lixa tem disponíveis visitas às vinhas, nas várias propriedades que detém na região – são ao todo sete quintas, com um total de 74 hectares -, visita à adega, provas comentadas e, mediante marcação, refeições, numa sala com 'vista' para a linha de engarrafamento da empresa e que fica por baixo da loja nas instalações da Lixa.

“Uma prova simples com visita pode variar entre os 3 e os 6 euros, dependendo do número de vinhos que se provem. Se incluir refeição, pode chegar aos 18, 19 euros. E fazemo-lo durante todo o ano. Os nossos programas não são sazonais e iniciaram-se há cinco anos. O enoturismo é um negócio de futuro”, refere o enólogo Carlos Teixeira sobre o futuro hotel, cuja inauguração poderá acontecer já no final do ano.

'Bikotel' junto ao Tâmega

Dimensão diferente tem o projecto de Fernando Fernandes. Na Quinta das Escomeiras, um 'bikotel' com três anos, os turistas acordam com os galos e começam o dia com um pequeno-almoço que inclui produtos biológicos da quinta.

A propriedade deste economista de Matosinhos, de 66 anos, fica junto ao Rio Tâmega e é praticamente auto-sustentável. Fernando Fernandes, que conhecia a zona – Celorico de Basto – por passar ali algum tempo na sua juventude, tinha o sonho de produzir vinho e adquiriu a propriedade de 10,5 hectares – três de vinha – em 1994. Entendeu sempre “que dificilmente conseguiria rentabilizar este investimento só com base na vinha” e lançou-se no enoturismo.

O investimento que fez até à data – “1,2 a 1,5 milhões de euros” – na quinta saiu todo do próprio bolso. Envolveu trabalhos de reflorestação, a construção de uma adega – de onde hoje saem 8.000 a 12.000 garrafas por ano – e a reabilitação das casas e a sua transformação para enoturismo. Na Casa da Eira – outrora dos caseiros -, há cinco quartos e uma suite. Na casa dos proprietários, há mais três quartos, uma piscina e balneários de apoio.

Reformado há um ano e meio, Fernando Fernandes é um dos produtores que participa nas formações da CVRVV – da poda às compotas e doces, passando pelas flores comestíveis, está em todas. Também participou no projecto do Minho IN que permitiu desenvolver 20 percursos pedestres em vinhas da região.

“Temos dois percursos na quinta, um com 2,4 km, dentro da própria quinta, e outro, com 5 km, que sai da quinta e continua junto ao rio para se ir encontrar com a Ecopista da Linha do Tâmega”, descreve, lembrando a proximidade com outro 'caminho', a Rota do Românico.

Na Quinta das Escomoeiras há um estábulo onde a égua lusitana Sereia e a burra de Miranda Julieta fazem as delícias dos visitantes – 80% são estrangeiros. Há ainda canoas para alugar e levar para o rio, um açude e uma praia fluvial. Os quartos custam entre 90 e 120 euros em época baixa e entre 105 e 140 na época alta – com tudo incluído, à excepção das canoas.

A facturação global é de 100 mil euros por ano, com o turismo rural a representar 20% deste volume.

Aveleda abre restaurante

O gigante Quinta da Aveleda, em Penafiel, não tem hotel, mas recebe 2.000 visitantes por mês, um número impressionante e o recordista, quando comparado com os outros produtores da região.

É uma máquina bem oleada, mas que também procura evoluir. Para 2015, está prevista a abertura de um restaurante na propriedade de 180 hectares, onde a família Guedes começou a produzir vinho de forma profissional em 1870.

No próximo ano, a Quinta da Aveleda, que está presente em mais de 70 mercados no mundo inteiro e que este ano deverá ultrapassar os 30 milhões de euros de facturação, quer também implementar um percurso pedestre na vinha, lançar um programa turístico durante as vindimas e diversificar e personalizar as visitas na quinta – no corporate já faz isso.

Porque, afinal, se há quem visite a Aveleda pelo vinho – como o norte-americano que levou a namorada, apreciadora de Casal Garcia, à quinta para ali a pedir em casamento -, outros há que se enamoram pelos jardins românticos por onde se passeiam pavões, galinhas-da-Índia e o labrador Black, havendo ainda uma torre onde vivem cabras.

“O que nos acontece muito, com norte-americanos por exemplo, é os visitantes quererem vir cá para conhecer o berço dos vinhos que consomem”, explica Chantal Guilhonato, do Departamento de Marketing e Comunicação da Aveleda.

“Todos os anos temos melhorado alguma coisa. Há dois anos, por exemplo, estávamos fechados ao fim-de-semana, hoje já estamos abertos sete dias  por semana”, conta o administrador Martim Guedes, quinta geração de uma família que é proprietária da Aveleda desde 1671. Provas de vinhos premium ou de várias regiões ou mesmo harmonizações com queijos e compotas da quinta – a propriedade tem queijaria e vacaria próprias – são algumas das últimas novidades.

A visita guiada standard – que custa 4,5 euros e está disponível de Março a Outubro -, inclui canto gregoriano na Adega Velha, onde é possível ver a garrafa que veio da Rússia na época dos Czares e serviu de modelo à primeira garrafa da Quinta da Aveleda, e termina com uma prova de vinhos e queijos. “Depois da mente, o estômago”, brinca Chantal Guilhonato. Também é possível almoçar na quinta e comprar os vinhos da casa com desconto na Aveleda Shop.

Martim Guedes vê no enoturismo “um complemento” do negócio dos vinhos e uma forma de reforçar as marcas da Aveleda e lembra que “o turismo já é uma coisa antiga aqui na quinta”. “Toda a família tinha um interesse grande nos jardins, que hoje são famosos. As pessoas foram vendo que estavam abertos e que eram visitáveis. E depois é que o turismo se tornou enoturismo”, explica.

Por que não fechar a oferta com um hotel? “Hoje em dia, no Vale do Sousa, já há uma oferta muito boa e não temos necessidade de estar a duplicar essa oferta e especializamo-nos na parte do vinho, que é aquilo que sabemos”, justifica Martim Guedes.

Outrora de Manoel de Oliveira

Opinião idêntica tem Tony Smith, da Quinta da Covela, uma propriedade de 46 hectares – 13 de vinha – em Baião. “Muitos chegam aqui e perguntam: 'Então quando é que vocês vão abrir um hotel?' Porque isto de facto é calmo e bucólico. Mas a nossa ideia é que é possível fazer enoturismo durante meia hora. E, depois, esse era todo um outro negócio”, diz o jornalista britânico que se mudou de São Paulo para S. Tomé de Covelas para produzir vinho.

Tony Smith e o sócio Marcelo Lima compraram a quinta, que pertenceu a Manoel de Oliveira, em 2011, e hoje em dia têm as portas abertas para “quem chega da rua” à quinta e à sexta-feira. Nos restantes dias da semana, “se as pessoas ligarem antes, dá para combinar tudo e mais alguma coisa”. Por exemplo, “piqueniques – na vinha, no mirante, na ruína, junto ao riacho, no bosque”, explica Tony, que quando está na quinta tem sempre três fiéis Podengos no seu encalço. A recepção é informal e despretenciosa.

A carrinha azul da Covela transporta até ao local escolhido pelos visitantes as saladas – a quinta tem produção biológica -, o paté de sardinha que a chefe de cozinha Diana Oliveira faz, sanduíches e covilhetes de Vila Real. Um 'cenário' a que ninguém fica indiferente.

O básico para quem chega sem avisar é um percurso na vinha e uma prova de três vinhos, experiência que fica por 8 a 10 euros – quem comprar vinho antes de se ir embora vê esse valor ser descontado na factura.

Na quinta, que tem uma bonita ruína do século XVI e fica perto do Caminho de Jacinto – percurso pedestre implementado pela Fundação Eça de Queiroz, outro membro da Rota -, Tony Smith quer “criar um jardim romântico”, algo a que só voltará depois dos investimentos que ainda tem para fazer na produção, e desenvolver um programa turístico no moinho que existe – e funciona – junto ao riacho que atravessa os terrenos.

Dormir na quinta

Pedro Araújo – irmão de Nuno, anterior proprietário da Quinta da Covela e que a dinamizou – decidiu “recuperar todas as casas antigas” que existiam na Quinta do Ameal e criar o Ameal Wine and Tourism Terroir. É um projecto novinho em folha, ainda por inaugurar.

“O conceito, no que diz respeito às estadias, é os clientes poderem usufruir de todo o ambiente de produção de uvas e elaboração dos vinhos – e não só – num ambiente de conforto de um hotel de cinco estrelas”, explica o produtor de Ponte de Lima, cujo volume de negócios ronda os 200 mil euros por ano – com a exportação a representar 60% desta facturação.

No último ano e meio, o investimento no enoturismo na Quinta do Ameal rondou os 160 mil euros e contou com uma comparticipação do PRODER a 50%, conta Pedro Araújo, acrescentando que também foram feitos investimentos na adega e nos jardins e criada uma nova sala de rotulagem.

“Há muitos anos que fazemos provas e visitas à quinta, agora os visitantes também podem ficar”, congratula-se Pedro Araújo, explicando que os turistas podem “observar todos os trabalhos a decorrer na quinta”, encomendar refeições, explorar a mata com mais de 8 hectares nas margens do Lima, passear de bicicleta na ecovia ou descer o rio em canoas.

Numa primeira fase, o hotel terá “dormida e pequeno-almoço”. “O restante os hóspedes poderão comprar na nossa pequena loja da quinta. As suites e a casa estão completamente equipadas e têm cozinhas completas”, explica o empresário.

Para já, são três suites com um quarto e uma casa com duas suites, que custam 195 e 350 euros por dia, respectivamente, mas Pedro Araújo quer “recuperar mais quatro casas” e chegar a uma capacidade de “no máximo cerca de 20 pessoas”. “Queremos que as pessoas gozem em plenitude de toda a tranquilidade e sossego únicos que a quinta proporciona”, justifica o proprietário.

Em 2013, as quintas da Região dos Vinhos Verdes, onde há 22.000 produtores de uva e 600 engarrafadores, receberam, pelo menos, 100 mil turistas, número referente apenas às grandes empresas. A expectativa é de que no ano de 2014 estas visitas cresçam.

Para isso contribuirá a primeira edição do Vinho Verde Wine Fest, no início de Setembro, evento através do qual a CVRVV – que investe cerca de 3 milhões de euros por ano a promover o vinho verde – pretendeu fazer a ligação vinho-turismo-gastronomia e que em 2015 poderá acontecer também no Algarve.

Os turistas que visitam a região são sobretudo estrangeiros, espelhando o que acontece nas vendas. No primeiro semestre deste ano, as exportações atingiram 27,3 milhões de euros, um crescimento de 14,2% em relação ao período homólogo do ano passado. A Alemanha foi o país que mais vinho verde comprou até Junho, ultrapassando os Estados Unidos da América, até aqui o principal mercado.