O despacho de arquivamento, com data de Junho, foi dado no inquérito realizado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Coimbra, aberto em Dezembro de 2012 na sequência de notícias do jornal Público.
Passos, recorde-se, presidiu ao Conselho de Fundadores do Centro Português para a Cooperação (CPPC), uma organização criada pela Tecnoforma para captar contratos de formação profissional. Segundo o Público, a Tecnoforma recebeu 1,2 milhões de euros de fundos do Programa Foral, destinados à formação de técnicos de heliportos e aeródromos. Isto ao abrigo de um protocolo então assinado por Relvas, secretário de Estado da Administração Local, e pelo então secretário de Estado das Obras Públicas, Jorge Costa, para dar formação de segurança a mais de mil técnicos municipais em todo o país, com a justificação de que os 50 aeródromos e heliportos do país “não estão dotados de pessoal técnico com a formação necessária por forma a garantir a operação segura de aeronaves”.
A Tecnoforma foi a única a concorrer à formação de técnicos na zona Centro e a sua candidatura incluía, ao pormenor, os princípios do protocolo assinado pelos dois secretários de Estado 17 dias antes. A candidatura foi aprovada pela Comissão de Condenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro, então presidida por Paulo Pereira Coelho, antigo deputado do PSD.
Podem ter tido acesso facilitado à informação, mas não há crime
Segundo o DIAP de Coimbra, “não pode afastar-se que os responsáveis da Tecnoforma não tenham tido acesso facilitado a toda a informação necessária a assegurar o sucesso” da sua candidatura “e que poderão ter influenciado” as condições que depois foram integradas no protocolo, favorecendo as condições de admissão da candidatura. Segundo o DIAP, não foram encontrados factos, porém, que constituam ilícitos criminais.
No despacho, o MP constata que o programa teve muito fraca adesão: dos 225 funcionários inicialmente inscritos na formação feita pela Tecnoforma, apenas 63 a concretizaram. Mas garante que os valores pedidos inicialmente pela empresa foram corrigidos para 25% do inicialmente pedido. A formação, acrescenta-se, não se restringia aos funcionários das pistas desses aeródromos e heliportos: abrangia também bombeiros, pessoal de Protecção Civil e outros técnicos encarregados dos regulamentos funcionais destes aeródromos.
Folhas de presença falsificadas
Durante a investigação, ficou comprovado que houve situações de falsificação, nomeadamente de folhas de presença de funcionários que nunca assistiram à formação. Uma dessas situações foi a de uma funcionária da Câmara Municipal de Coimbra que chegou a participar na formação, mas acabou por ir para casa: apesar disso, a sua folha de presenças surge assinada.
Outros casos de falsificação “grosseira”, em que os nomes originais eram apagados com tinta correctora, são atribuídos à Tecnoforma porque a empresa é que lucraria com esta falsificação de presenças. Contudo, diz o MP, estes crimes, cuja moldura penal é de três anos de prisão, já prescreveram, sendo por isso arquivados.
Secretária de Relvas ouvida
Ao longo do inquérito, foi recolhida extensa documentação e ouvidas 55 testemunhas – nomeadamente, 40 formandos (bombeiros, técnicos de aeródromos da zona Centro, agentes da PSP e de Polícia Municipal, que atestaram a participação em cursos para responsáveis de aeródromos e de operadores de socorros e emergência, além de seminários e workshops) e 12 formadores.
Foram ainda ouvidas mais três testemunhas, entre as quais Carlos Costa Ferreira, da estrutura de apoio técnico da CCDR do Centro (onde foram validadas as candidaturas), que assegurou que “a aprovação da candidatura da Tecnoforma não revela qualquer tratamento privilegiado, nunca tendo havido qualquer tipo de pressão ou influência para esse efeito”. Justificou ainda que, “entre 2001 e 2004, foram poucas as entidades formadoras com fins lucrativos que apresentaram candidaturas ao programa Floral, tendo a Tecnoforma assumido grande peso devido à forma de abordagem dos municípios por ela realizada”.
Foi também ouvida a antiga secretária de Miguel Relvas na Secretaria de Estado da Administração Local. Disse que este lhe pediu na altura para ligar a Passos Coelho e marcar uma reunião na Secretaria de Estado, a que este compareceu “acompanhado de outras pessoas”. Estas pessoas vieram depois a ter outras reuniões na Secretaria de Estado com “a assessora” de Miguel Relvas “responsável do dossiê Floral”.
Segundo inquérito ainda no DCIAP
Este é um dos dois inquéritos envolvendo a Tecnoforma e que estavam a ser investigados. O segundo inquérito decorre no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e ainda não foi concluído. Segundo noticiou ontem a revista Sábado, ao DCIAP chegou uma denúncia, segundo a qual Passos Coelho receberia cinco mil euros por mês da Tecnforma, alegadamente não declarados ao Fisco e quando era deputado em regime de exclusividade (não podendo, como tal, receber outras remunerações além da do Parlamento).
Ontem, o gabinete do primeiro-ministro reagiu, limitando-se a afirmar que “não foi contactado no âmbito de qualquer investigação” e, “se isso vier a acontecer, colaborará naturalmente”.