2. Em primeiro lugar, note-se que, pese embora a publicação tenha exposto na capa o título “ Face Oculta do PSD”, com o intuito de equiparar este caso aos casos que motivaram a condenação de socialistas no processo “Face Oculta”, são realidades diferentes. No caso da “Face Oculta” de Godinho/Vara/Penedos, estávamos perante um esquema com redes tentaculares que, mediante pressões fortes sobre decisores políticos e/ou gestores de topo de empresas públicas, angariavam contratos para a sucata, prejudicando directamente o erário público. No caso do PSD, segundo as notícias ontem divulgadas, tratava-se de uma agência de comunicação – amizade de Marco António Costa e Agostinho Branquinho – que escondia certos financiamentos partidários e adulterava o valor das campanhas partidárias, podendo prejudicar indirectamente o erário público – e, directamente, afectando a transparência democrática. O que têm em comum? O consubstanciarem ilícitos criminais que devem ser investigados e, em caso de confirmação das suspeitas e apuramento de responsabilidades, exemplarmente punidos. Está em causa a autoridade do Estado – e com esta, não se brinca. Quer doa a amigos ou inimigos. Quer doa a PSD ou a PS. O partido não releva no combate a qualquer tipo de criminalidade, dentro da proporção das coisas. E a proporção é diferente no caso da sucata de Godinho ou da “We Brand” da Senhora de Gaia.
3. Em segundo lugar, note-se que, no caso da sucata de Godinho e Vara, as figuras centrais eram membros do Governo José Sócrates – e o próprio José Sócrates – embora com ligações ao guterrismo. No caso do PSD, com todo o respeito, tratava-se de figuras menores (Marco António Costa e Agostinho Branquinho), que nunca foram líderes – e cujo poder, à data a que os factos se reportam, se limitava a um poder local, no distrito do Porto. Dir-se-á: quer Branquinho, quer Marco António Costa chegaram a lugares de topo no PSD. Um com Passos Coelho, outro com Manuela Ferreira Leite. Muito curioso é notar que Marco António Costa foi substituído, na Secretaria de Estado da Segurança Social, por Agostinho Branquinho! Eles têm sido o Dupont e Dupont da política portuguesa… Muito curioso: como os leitores mais cautos sabem, nós nunca percebemos as razões pelas quais Agostinho Branquinho chega a Secretário de Estado da Segurança Social! Da Segurança Social!!! Mas é um problema de Passos Coelho: Manuela Ferreira Leite confiava em Agostinho Branquinho. E não acreditamos que uma senhora do Norte, publicitária, tenha convencido Passos Coelho a meter Branquinho no Governo…Pode ter acontecido, mas, com os dados de que dispomos neste momento, achamos uma ideia de outro mundo…
4. Posto isto, pergunta-se: será que a notícia de esquemas ilícitos de maquilhagem das contas das campanhas eleitorais, em concelhos do distrito do Porto, afecta o Governo? É evidente que o timing da divulgação da notícia é, também ela, muito curiosa: 1) acontece uma semana depois da condenação de Vara no processo Face Oculta; 2) na recta final das primárias do PS; 3) à beira da realização de eleições na distrital do Porto do PSD. Mas, enfim, mais vale sabermos tarde de ilícitos criminais (a terem ocorrido) do que nunca. Fragiliza o Governo por uma razão muito simples: Agostinho Branquinho é membro do executivo e Marco António Costa é vice-Presidente do partido. Se nós fossemos Agostinho Branquinho, amigo de Passos Coelho, faríamos algo elementar: pediríamos já a demissão, afirmando que as suspeitas são infundadas (se estiver convicto da inocência) para salvaguardar Passos Coelho e o PSD actual, demonstrando, desta forma, um sinal de enorme coragem e nobreza política. Se ficar no Governo, Branquinho prejudicará objectivamente Passos Coelho e ajudará o PS. Vamos aguardar com muita serenidade. Acima de tudo, que a Justiça funcione!
De segunda a sexta-feira João Lemos Esteves assina uma coluna de opinião no SOL