O episódio mais recente ocorreu nas páginas do circunspecto Financial Times, que se lembrou de dar honras de capa a uma foto-montagem, retirada de cartazes colocados junto a algumas dependências do antigo BES, onde aparece Ricardo Salgado com uma mascarilha ao estilo dos 'Irmãos Metralha'.
Em título, o FT descrevia: Desgraças familiares: A queda do Banco Espírito Santo. Com esta mensagem, o jornal – que é a bíblia britânica dos meios financeiros – imprimia, urbi et orbi, uma invulgar notoriedade ao ex-líder do Grupo em colapso, projectando nas bancas de meio mundo o que estava circunscrito a algumas paredes da cidade.
Provavelmente por não querer ficar atrás do FT, a RTP resolveu dedicar a Grande Reportagem ao tema, recolhendo, entre outros depoimentos, o de Mário Soares, que não se fez rogado e disparou à queima-roupa, dizendo que o Governo quis atirar o BES “ao charco” e que arranjou um sarilho. De caminho, augurou ainda que, quando Ricardo Salgado “falar e vai falar, as coisas vão ficar de outra maneira”. Ele lá saberá porquê.
Com esta informação privilegiada, o venerando fundador do PS antecipou-se às auditorias forenses do BdP e às conclusões da equipa multidisciplinar nomeada pela PGR, e fez o seu auto de fé, encarrapitado no pedestal. Exemplar para um antigo chefe de Estado.
Lembrava Constâncio, ao tempo da comissão de inquérito parlamentar ao caso BPN, que “em muitos países tem havido fraudes muito maiores do que esta e em nenhum desses países se têm feito processos de linchamento do supervisor”. E não faltou quem lembrasse, então, que criticar o BdP seria equivalente a perseguir o 'polícia' em benefício do 'ladrão'.
O actual governador, Carlos Costa, poderia socorrer-se das palavras do seu antecessor para enfrentar os críticos que tem à perna. Com a diferença de que a dimensão do banco e dos estragos são muito maiores e que, desde cedo, procurou delimitar um cordão de segurança à volta do BES, que não valeu de nada. Em maré de BD e como nos ensina o Lucky Luck, há quem seja mais rápido do que a própria sombra…
Mudam-se os tempos e, em vez de Oliveira e Costa, é Ricardo Salgado quem prepara, conforme foi noticiado, “a defesa jurídica e mediática no processo do colapso do BES”.
Em relação à primeira, compreende-se que o faça para acautelar o que poderá ser uma longa batalha judicial. Já em relação à segunda, é manifestamente um excesso prudencial.
De facto, a maioria dos media e dos chamados comentadores não se cansa de zurzir no governador do BdP, na ministra das Finanças, no primeiro-ministro e, até, no Presidente da República, poupando estranhamente o timoneiro do barco afundado, como se este ficasse à margem do processo.
Há um silêncio espesso, apenas interrompido por comunicados curtos e entrevistas cirúrgicas. Embora admita que “o grupo cometeu erros”, Ricardo Salgado não contradiz Soares e adverte que “vai lutar pela honra e dignidade, minha e da minha família”. Compreende-se que o faça.
A novela das “desgraças familiares” dos Espírito Santo, para utilizar o jargão do FT – que puseram em confronto aberto vários ramos do clã -, tem todos os ingredientes para manter o suspense.
Ora, com tal enquadramento, só faltava mesmo a demissão de Vitor Bento e da sua equipa no Novo Banco, supostamente por discordar da estratégia desenhada pelo BdP.
Poderia tê-lo feito quando se alteraram, subitamente, as condições do convite, que aceitara, para presidir ao extinto BES. Não o fez. Aceitou o novo encargo e bateu agora com a porta. Fica-lhe mal.
Faltou-lhe o nervo para levar por diante, com espírito de missão, um encargo que ninguém duvidava ser complexo.
O naufrágio do BES não se resolve com declarações piedosas, muito menos com egos feridos. Vender depressa e bem o que sobrou, protegido no Novo Banco, é uma exigência dos contribuintes – e será uma bênção para o sistema financeiro, abalado por sucessivos desaires que afectam a confiança de depositantes e de investidores.
Do outro lado do espelho, Ricardo Salgado já preveniu a navegação,ao lembrar: “Não sou o pivô [dessa crise]. Cada um [da família] respondia por uma actividade de negócio”.
Com o apoio de zelosos especialistas, o antigo banqueiro prepara as munições e organiza a defesa. Não é um desfecho glorioso para o homem que chegou a ser conhecido pela sigla DDT (Dono Disto Tudo). Muito menos para o Banco que ostentava o nome da família.
Os danos de imagem serão irreparáveis. Que não o sejam também para o país, que dispensava bem a capa do Financial Times…