Ganhou Costa ou Seguro? Jerry Seinfeld!

1. As primárias do Partido Socialista, indiscutivelmente, assinalaram um novo método de escolha político-partidária. O confronto entre ideias e personalidades, a definição de um caminho político, a agitação que provoca num sistema político habituado ao “respeitinho”, à monotonia e ao consenso bacoco – conseguem captar a atenção dos portugueses, fazendo-os interessar pelo debate democrático. Mas…

2. Dito isto, se a ideia das primárias até foi positiva e o seu acolhimento por parte dos portugueses e da comunicação social foi entusiasmante, a verdade é que o conteúdo dos debates entre António Costa e António José Seguro foi paupérrimo. O último debate, transmitido na RTP, constituiu a demonstração clara e inequívoca do vazio de ideias de ambos os candidatos. Às tantas, António Costa já dizia que era do mesmo clube de Seguro e usavam a mesma cor de gravata! Num debate para escolher o candidato do PS, discutir-se a cor da gravata é obra! Mostra bem que nenhum dos dois quer falar sobre o futuro de Portugal. E percebe-se porquê: é que não têm um projecto alternativo o Governo de centro-direita. Seguro e Costa sabem que não querem ir pelo caminho do Governo – só não sabem por onde e para onde vão. E nenhum dos dois quer acusado, mais tarde, de ter faltado à palavra aos portugueses.

3. Mas, afinal, quem ganhou o debate? O homem que não quer falar e quer desaparecer de Lisboa, António Costa? Ou o homem que finalmente quer acordar para a vida, depois de três anos a dormitar na oposição a Passos Coelho? Sejamos honestos: ninguém venceu. O debate foi demasiado fraco para ser levado a sério. O debate foi uma autêntica homenagem a Jerry Seinfeld, o comediante que criou a sitcom homónima. Ora, a série “Seinfeld” assumia-se como o programa televisivo sobre nada, ficando célebre a conversa entre Jerry e George Constanza para combinar a apresentação à NBC (cadeia televisiva norte-americana) de uma série sobre as banalidades do nosso quotidiano – ou seja, about nothing.

4. Jerry Seinfeld era, afinal, um visionário da política portuguesa: antecipou o que veio a ser as primárias do PS. Uma enorme discussão e frenesim político sobre…absolutamente nada. O debate na RTP, na passada terça-feira, mais não foi a versão portuguesa do Seinfeld. Um programa sobre nada com duas personagens caricatas, perfeitas para um espectáculo de stand-up comedy ou uma sitcom. Mas não – nunca – para Primeiro-Ministro de Portugal. Ainda há algum português romântico que acredite que os dois socialistas podem dar mais do que já deram?

5. Enfim, o momento mais marcante do debate foi a acuação de Seguro de que Costa representa a promiscuidade entre o poder político e o poder económico: a este propósito, Seguro deu o exemplo de Nuno Godinho de Matos. O advogado d a administração do BES que entrava mudo e saia calado: árduas tarefas para as quais era principescamente remunerado. António Costa, em vez de se fingir ofendido, deveria explicar aos portugueses se está ou não preso na teia do socratismo. Parece que António Costa quer voltar aos tempos de José Sócrates, atendendo às imensas “socranetes” que participaram na sua campanha. O status quo do PS, os rostos do passado, estão todos com António Costa: veremos, em caso de vitória costista, o que fará com o passado que descaradamente transportou para o presente e, muito provavelmente, transportará para o futuro.

De segunda a sexta-feira João Lemos Esteves assina uma coluna de opinião no SOL