‘O meu telefone sabe tudo sobre mim’

Depois de 20 anos a trabalhar como polícia e responsável de segurança em multinacionais, Anders de la Motte decidiu dedicar-se à escrita. Com O Jogo, o seu primeiro livro, ganhou o Prémio para Melhor Primeiro Romance atribuído pela Academia Sueca de Escritores Policiais e foi traduzido em mais de 30 países. Agora acaba de sair…

Vingança é o segundo livro de uma trilogia iniciada com O Jogo. Como nasceu a série?

Tinha escrito um romance sobre uma investigação policial tradicional, o tipo de história que começa e acaba com um homicídio, mas nenhuma editora o publicou. Na Escandinávia há muitos bons escritores de policiais. Para se ter uma hipótese é preciso fazer algo único. Tentei criar uma história diferente, com um anti-herói. E surgiu o HP, um idiota preguiçoso, um gamer que partilha os meus interesses pela cultura pop. Mas não o conseguia fazer sair do sofá. Se um polícia vê um homicídio vai investigar. O HP não. A única coisa que o faria levantar-se seria dar-lhe o protagonismo num jogo, num filme, ou numa mistura de ambos. Assim foi. 

E Rebecca?  

Ao criar o HP percebi que precisava de alguém que o equilibrasse. Surgiu a Rebecca, que corresponde ao responsável de segurança que há em mim, sabe onde estão as portas de emergência, as câmaras de segurança… Ambos têm traços meus.

Os livros versam sobre tecnologia, desde jogos virtuais a perseguidores no ciberespaço. O que lhe interessou?

A tecnologia faz parte das nossas vidas. Usamos os smartphones constantemente. E o meu telefone sabe tudo sobre mim. Tenho lá e-mails, mensagens, cartões de embarque,  a agenda, o Facebook, o Google Maps…

Vingança começa onde O Jogo termina. As personagens nem descansam…

 HP sai do jogo e vai para o calor viver a boa vida. Mas  aborrece-se e começa a pensar que podia voltar ao jogo. E Rebecca é perseguida por alguém que escreve anonimamente coisas sobre ela num fórum da internet frequentado por polícias.

A tecnologia está novamente muito presente…

Sim. Chegam a uma empresa que gere informação na internet de outras empresas, certificando-se de que não há nada negativo nas primeiras páginas de pesquisa do Google ou fazendo boas críticas para restaurantes e hotéis.  Já houve políticos a entrar em fóruns sob nomes falsos, a falar mal dos seus oponentes. Ou de um CEO de uma cadeia de hotéis que ordenou aos seus empregados que avaliassem os seus hotéis com cinco estrelas e os da concorrência com apenas uma. O Jogo é um romance sobre como cada um quer ser visto, validado e ser uma estrela, uma espécie de efeito Facebook. Vingança é um livro sobre o que andamos a ler na internet, como saber se é verdade, as razões para a informação aparecer em certa ordem e como isso é manipulado. Antes a informação chegava dos jornais. Hoje chega de todo o lado e ninguém verifica as fontes, nem quem escreve nem quem lê.

Trabalhou como polícia. Como decidiu ser escritor?

Trabalhei oito anos como polícia em Estocolmo. Depois trabalhei quatro anos na UPS como responsável de segurança na região nórdica e oito anos na Dell, como responsável pela segurança na Europa, África e Médio Oriente. Se o telefone tocava era sempre mau. Podia ser rapto, roubo, assalto, fraude. E fazia segurança em viagem a executivos e altos cargos. Sempre gostei de livros, a minha mãe era bibliotecária. E tive que escrever muitos relatórios policiais, manuais de procedimentos e outras coisas chatas. Sempre quis escrever algo mais criativo e interessante. Um dia decidi avançar. Como viajava muito, tinha muito tempo livre em aeroportos, aviões, hóteis. Em 2012 os livros  estavam a correr tão bem, com os direitos vendidos para mais de 30 países, que decidi viver da escrita.

Tem saudades da adrenalina? 

Não. Durante 20 anos tudo se centrou nos problemas dos outros, que eu tinha de resolver. Estava sempre a apagar fogos. Na literatura se há problemas são causados por mim. De resto, viajo e conheço pessoas simpáticas…

De que trata o terceiro livro? 

É sobre os dados que oferecemos. Ao abrir uma página, através dos cookies, estamos a dar informação, que depois é vendida: como consumimos, viajamos, circulamos… Onde é que esses dados vão parar? Quem é que os usa, para quê? Usei o cartão de milhas ao vir para Portugal. Ao entrar no avião a informação ficou no passado e houve logo empresas a comprá-la. Baseados no passado podemos prever o futuro. George Orwell disse: 'Aquele que controla o passado, controla o futuro'. 

E em que está agora a trabalhar?

Tenho um quarto livro que foi editado na Suécia em Março chamado Memorando, o primeiro de uma nova série. Agora estou a escrever o segundo, chamado Ultimato. Os direitos foram comprados pela produtora Lions Gate. Com sorte, será transformado numa série de televisão. Espero que sim. São eles que fazem o Mad Men e Orange is the New Black, duas das minhas séries favoritas. 

rita.s.freire@sol.pt