Mas hoje há nova vida nas Galerias Lumière (GL), que devem o seu nome precisamente às emblemáticas salas de cinema. Situadas em pleno centro do Porto, viveram o seu apogeu nos anos 80 e, à semelhança de outros centros comerciais da mesma época, sofreram uma morte lenta na década seguinte, à medida que a Baixa ia sendo abandonada e grandes centros comerciais eram erguidos nos arredores da cidade.
Depois de algumas tentativas de reabilitação, as galerias correm o risco de se tornarem um ponto de passagem obrigatório. Novos inquilinos e “ideias de negócio” convivem ao lado de alguns “resistentes”, como a Poetria, a única livraria do país especializada em poesia e teatro, que aqui resiste há 11 anos. “Têm sido anos difíceis, mas agora tudo vai mudar”, acredita Dina Ferreira da Silva, proprietária feliz com a nova vizinhança. Para ela este novo ciclo terá repercussões positivas no negócio.
Construído nos anos 70 pelas mãos do arquitecto Magalhães Carneiro, o edifício é composto por dois andares com várias lojas. A praça central, que funciona como praça da alimentação, é uma espécie de sala de estar, hoje decorada com peças de mobiliário escandinavo rétro e iluminada por uma clarabóia central. A responsável pela remodelação das GL é Inês Magalhães, que sempre percebeu o potencial do lugar. “As lojas são pequenas, as rendas são acessíveis, entre 200 e 600 euros, e localiza-se no coração da cidade” explica. “Tinha tudo para dar certo”. O romance entre as Lumière e esta jovem empreendedora surgiu por um feliz acaso: “Houve uma coincidência, porque os donos deste local sabiam que eu trabalhava a recuperar espaços e estava ligada ao mercado de rua Porto Belo”. O passo seguinte foi fazer obras de modo a homogeneizar a estética do local e escolher os projectos para o ocuparem. “As primeiras candidaturas foram para a restauração e fui eu que as seleccionei. Escolhi algumas propostas que já existiam em outros locais do Porto como A Sandeira ou o Piquenique. Outras, como a Sou Sweet – que tinha apenas um projecto de venda ambulante de gelados – ou a Tête à Croissant – que ganhou um prémio de empreendedorismo e começou do zero -, estrearam-se em espaço fixo”.
A fase seguinte passou pelo convite a projectos com abordagens variadas e originais. Alguns deles viviam das vendas online, como é o caso da Caco Store, que ganhou uma casa aberta ao público para as peças de cerâmica feitas à mão, ou da japonesa Namban, a “mercearia mais pequena do Porto”. “Foi uma forma de testarmos o negócio, com poucos custos”, diz a proprietária, Sako Arau, residente na cidade há pouco mais de um ano e que, juntamente com o marido, Miguel Cunha, quer mudar a imagem que os portugueses têm da gastronomia japonesa. “A nossa cultura, de uma forma geral, tem muitas influências portuguesas. O escabeche, muito usado no Japão, por exemplo, diz-se que veio de cá. Por esse motivo demos este nome à nossa loja. 'Namban', que literalmente significa 'bárbaros do Sul', era a forma como os portugueses, espanhóis e holandeses, os primeiros ocidentais a chegar ao Japão, eram conhecidos”.
Outra das apostas das GL são as lojas Pop Up, cuja particularidade é a ocupação mensal rotativa. “Já temos agenda Pop Up até ao fim do ano. O propósito é que os comércios virtuais possam experimentar residir num espaço físico. Isto dá a possibilidade aos clientes de tocar os objectos e conhecer os responsáveis”, refere Inês. O estreante na modalidade Pop Up (loja temporária) é o projecto Respigador & Respigadora. “O nome foi inspirado no filme de Agnès Varda [Os Respigadores e a Respigadora], que é a explicação máxima do que é respigar. Na época feudal, quando os senhores recolhiam o cultivo das terras, no fim deixavam-nas disponíveis para que o povo pudesse 'respigar' o que restava. Ela desenvolve o filme com pessoas que vivem do lixo, que procuram papel, metal… nós fazemos isso, mas com todo o tipo de objectos”, diz Luís Octávio Costa (o Respigador), que partilha com Joana de Belém (a Respigadora) o vício de 'coleccionar colecções'. Abertos ao público há apenas alguns dias, estão satisfeitos com a experiência e inconformados com o prazo de validade que têm naquele espaço. “Em teoria, dia 13 de Outubro vamos embora. Mas temos um plano que é fechar-nos aqui dentro e fazer greve de fome, para não sairmos”, continua Luís, divertido. “Nunca tivemos uma loja onde as coisas estão à vista e as pessoas lhes podem tocar. A dinâmica nas Galerias Lumière vai disparar para outros voos e áreas de interesse”, remata Joana.
Numa época em que emigrar está na ordem do dia, Inês Magalhães, mentora deste novo ciclo das GL, é um dos raros exemplos que optou pelo percurso inverso: regressar à cidade natal. “Estive em Barcelona e depois em Londres, onde tinha um excelente trabalho e ganhava bem. Profissionalmente era um desafio enorme, mas havia tanta coisa para fazer na minha cidade que era um desperdício investir num país que não era o meu. Não queria ficar eternamente divida. Voltei em 2007 porque achei que conseguiria apanhar a minha geração. Estou contentíssima”, diz com um sorriso rasgado.
Inevitavelmente, fica uma pergunta no ar: 'E os cinemas?'. A resposta é menos poética do que se poderia esperar: fecharam e transformaram-se numa garagem para automóveis. “É uma pena, mas não há volta para o cinema antigo. Além do comércio, existe um projecto de animação à volta da música e dos ciclos de cinema, não tivesse esta sido a casa dos famosos cinemas Lumière A e L. É a nossa forma de ressuscitar essa nostalgia”, conclui Inês. Uma nova forma de viver a herança Lumière.
Galerias Lumière:
Rua José Falcão, 157, ou Rua das Oliveiras, 72, Porto
Horário: Segunda a Quarta-feira – 09h00-20h00;
Quinta-feira a Sábado – 09h00-00h00;
Encerra ao domingo