Até que voltou. Não tão veloz como antes, mas mais felino do que nunca. Cristiano Ronaldo entrou a todo o gás na nova época e bastaram-lhe cinco jogos nas seis primeiras jornadas (falhou a visita à Real Sociedad) para registar um novo recorde de golos da Liga Espanhola nos últimos 60 anos. Dez golos nas seis rondas iniciais era algo que não se via a um jogador desde a década de 50, com o húngaro Kubala no Barcelona (1953) e o espanhol Pahiño no Deportivo da Corunha (1954). Na história do Real Madrid não há igual e apenas Di Stéfano (1958) e Amancio (1968) se aproximaram da marca, com nove golos cada.
A proeza ganha contornos extraordinários à luz da história e pelo facto de o madeirense não ter participado sequer em todos os jogos. Traz à memória a célebre expressão em que comparou os golos a ketchup. “Quando aparece, aparece tudo de uma vez”, disparou em tempos.
Com uma média de dois golos por jogo na Liga, o actual Bola de Ouro lidera a lista de melhores marcadores em Espanha, com mais quatro do que Neymar e cinco do que Messi.
Mais golos do que 14 clubes
Sozinho, Cristiano soma mais golos do que clubes como o FC Porto (8) ou o Sporting (9). E também 'ganha' a 14 das 20 equipas da Liga Espanhola. Um golo frente à Real Sociedad, no jogo em que foi poupado por Carlo Ancelotti, seria suficiente para estar agora a par dos totais do Bayern Munique, do Arsenal e do Manchester United.
Aos 29 anos, cinco dos quais passados em Madrid, Ronaldo é já o quarto maior artilheiro da história do Real. Com 266 golos em todas as competições, falta-lhe superar três ex-glórias do colosso espanhol: Santillana (289), Di Stéfano (305) e Raúl (323). No que respeita apenas ao campeonato espanhol, o português já garantiu um lugar entre os 10 melhores marcadores de sempre, com um total de 188 golos, menos 63 do que o líder Telmo Zarro (At. Bilbau).
Uma veia goleadora anormal para um extremo, que começou a ser trabalhada no Manchester United pelas mãos de Alex Ferguson, o treinador que ficou de boca aberta quando o viu na inauguração do Estádio José de Alvalade, em 2003. Deixou Old Trafford seis anos depois, como o 18.º goleador de todos os tempos do clube (118 golos em 292 jogos). E em Madrid ficou ainda mais obcecado com a baliza adversária: já marcou em todos os estádios que visitou em Espanha. Tornou-se uma máquina de fazer golos.
Nova posição em campo
Apesar de jogar encostado à linha lateral, mais à esquerda do que à direita, o madeirense aparece com facilidade na zona do ponta-de-lança. É na 'cara' do guarda-redes rival que se sente à vontade e a cada dia é maior a tendência para se movimentar por essa zona do relvado.
Acaba por ser uma consequência dos problemas físicos no joelho que o têm condicionado nos últimos tempos. Sem a capacidade de fazer os piques que o tornaram temido, recorre a outras armas: remate fácil com os dois pés, capacidade de impulsão acima da média – em Fevereiro de 2013 cabeceou a uma altura de 2,60 metros – e percepção para se desmarcar entre os centrais contrários no momento certo.
Carlo Ancelotti tem papel importante nesta transição. Apesar de Ronaldo já antes ter sido utilizado a ponta-de-lança, quer nos clubes, quer na Selecção, o treinador italiano deu um passo em frente e assegura-lhe “liberdade de movimentos” na frente de ataque.
A um ano de entrar na casa dos 30, Cristiano parece cada vez mais próximo de deixar os flancos e as correrias desenfreadas. A ideia de jogar numa posição mais central, que em tempos renegou, é agora algo que não lhe tira o sono. Para quem deixou de lado as fintas e se viciou em golos pode ser a solução ideal.
“Os anos vão passando e vamos ficando mais experientes e maduros. Mas não penso que tenha 29. Na minha cabeça tenho 23 ou 24. Sei que as coisas não são iguais e que tenho de as gerir de uma forma diferente porque obviamente as sensações não são iguais”, explicou em entrevista recente à TVI.
A cumprir a sexta temporada ao serviço do Real Madrid, Ronaldo é já referido pelo presidente Florentino Pérez como “uma lenda” do clube. E esta quarta-feira deu mais um passo para superar outro nome histórico dos merengues, líder da lista de melhores marcadores de sempre na Liga dos Campeões. Ao marcar na vitória do Real na Bulgária, frente ao Ludogorets, o português fez o seu 69.º golo na Champions e está agora a dois de igualar o espanhol Raúl. A este ritmo, é esperar mais um ou dois jogos na prova-rainha da UEFA.
*com Rui Antunes