Segunda-feira, 29 de Setembro. Em Campo Limpo, distrito de São Paulo, Lula, ao lado de Dilma Rousseff, faz as honras de casa no comício de lançamento para a última semana de campanha. Os candidatos estão na corrida ao voto dos indecisos. O terreno é do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi aqui que o partido fez o seu primeiro comício quando lançou a candidatura derrotada do ex-metalúrgico a governador de São Paulo, em 1982. “Você é muito nova, Dilma (66 anos), mas posso te garantir que aqui tem muita gente que lembra o que era este país antes da gente chegar ao governo”, começou por apresentar.
Desde há dois meses que Luiz Inácio Lula da Silva, 68 anos, Presidente do Brasil durante oito (2003-2011), é o anfitrião dos comícios do PT, com ou sem Dilma. A subida de Marina Silva, do PSB, nas intenções de voto, levou o ‘Presidente Lula’, como ainda é chamado aqui na zona sul de São Paulo, a reforçar a sua participação em acções de campanha do partido, afastando boatos que apontavam para divergências entre si e a sua sucessora. Percorreu o país para explicar aos 142 milhões de eleitores que continua a acreditar em Dilma para liderar a sétima economia mundial. Mas só no domingo se saberá se a sua popularidade – Lula terminou o mandato com 87% de aprovação – está intocável, através dos votos que a ainda Presidente somar rumo à reeleição. Até lá, os comícios serviram de barómetro para a imprensa avaliar o poder de mobilização do ex-chefe de Estado.
Lula mantém a capacidade de exaltar o eleitorado das classes baixa e média e tem ‘sala’ lotada por onde passa. Ainda jovem subia ao palanque para mobilizar os trabalhadores para a luta sindical. O ex-sindicalista é um entertainer do povo: domina um guião que parece nascer do improviso, mas que não é; percebe os tempos para falar das políticas que melhoraram a vida dos mais desprotegidos e para fazer piada; fala de si e em nome do povo brasileiro; fala de casos reais e em personagens tipificadas; radicaliza a dicotomia rico vs pobre e diferencia-se dos adversários: nós somos os bons, eles são os maus. Em média fala 30 a 40 minutos por comício e isso, associado a um cancro na laringe que lhe foi diagnosticado há três anos, entretanto ultrapassado, tem-lhe valido uma rouquidão assumida a cada vez que se apresenta em público. Visivelmente mais magro e a optar por camisas de cores mais escuras, a qualidade da voz, porém, é um detalhe num político que sabe usar o palco, que ri, chora e faz chorar em cima dele.
‘Eu amo a Marina’
Um comício de Lula é simultaneamente uma declaração de amor ao povo e de ódio à elite. Orlando Orani, 70 anos, ex-metalúrgico, não poupa nos elogios ao petista. Está entre as cerca de 2.000 pessoas que ocupam a praça de uma zona de pequenas casas, estilo bairro, ladeada por favelas, para ouvir o ‘Presidente’. O recinto mais parece um estádio de futebol preparado para receber um concerto de uma banda de dimensão nacional: da dimensão do palco à iluminação, passando pela tribuna para os jornalistas, tudo é pensado pela máquina de campanha do PT. «Quando ele fala o povo está a ver-se ao espelho. O Lula vem do povo, vem de baixo, não tinha estudos e chegou onde chegou. Isso dá-lhe carisma», ensaia Orani.
Por oposição a Dilma, que nasceu numa família de classe média do Rio Grande do Sul, Lula é filho de pais lavradores analfabetos do interior de Pernambuco. O passado dá-lhe propriedade para falar sobre pobreza e para recordar os dias em que ia com a mulher, Marisa, e os dois filhos ao restaurante e «enchia a barriga com pão com maionese para que quando chegasse a picanha ou a costeleta não termos muita fome e dispensarmos a carne, porque não havia dinheiro para pagar carne». Ou ainda para admitir que andou pela primeira vez de avião aos 30 anos «e porque o sindicato [dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema] me pagou o bilhete», frisou. «Levei 12 lenços no bolso porque me disseram que eu ia vomitar», brincou, enquanto era ovacionado e recebia das mãos de um assessor uma garrafa de água.
Nos últimos dez anos, 36 milhões de brasileiros saíram da pobreza e cerca de 34 milhões ascenderam à classe média. É a partir daí que Lula constrói a narrativa com que se apresenta aos eleitores em campanha. «Dilma, quero que você conheça mais um pouco desta gente. Aqui é o retrato do país. O filho de pobre pode virar doutor e as mães que iam de sacola vazia ao supermercado para roubar comida, porque não tinham dinheiro, conseguem pôr comida na mesa e já podem ir ao talho comprar peito de frango em vez de pé e pescoço. Porque antes, Dilma, a elite não deixava que pobre entrasse num talho para comprar peito de frango. É a mesma elite que não queria ver pobre andando de avião. Hoje pobre consegue andar de avião. Porque criámos oportunidade para o pobre ter conta de crédito. Isso era uma coisa de rico», explica.
Lula da Silva é o padrinho político de Dilma. Recentemente sentiu-se obrigado a explicar a alguém porque não escolheu Marina Silva, sua-ex-ministra do Meio Ambiente e uma das fundadoras do PT, em 2010, ano em que a ambientalista concorreu pelo Partido Verde, depois de bater com a porta do PT, e conseguiu quase 20% dos votos. «Disseram-me: ‘Mas a Marina te ama’. E eu respondi: ‘Eu também amo a Marina. Mas não escolhi a Marisa, minha mulher, para Presidente. A Dilma tem competência e lealdade. O Brasil precisa de uma mãe que cuide de 200 milhões de filhos. A Dilma é esta mãe», relatou Lula. «Dilma, pode voltar para Brasília com a cabeça erguida. Este povo não vai falhar e vai te eleger Presidente da República no domingo», garantiu o ex-Presidente do Brasil à sua sucessora.
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