Brasil: O Maranhão vive o seu momento 1917

Durante quase meio século, uma única família pôs e dispôs do Maranhão, transformando-o no seu feudo e no segundo estado mais pobre do Brasil. Este domingo, os eleitores chumbaram o candidato do clã Sarney e elegeram o primeiro governador comunista do país.

De acordo com os dados da justiça eleitoral, Flávio Dino, do PCdoB, venceu à primeira volta a eleição para a chefia do Governo estadual com 63,5% dos votos, contra 33,6% de Edson Lobão Filho (PMDB), o candidato apoiado pela família do antigo Presidente da República José Sarney.

Sarney, actual senador, tinha chegado ao poder há quase cinco décadas com a promessa de retirar o Maranhão – um dos estados onde a herança colonial portuguesa é mais nítida, na arquitectura da capital São Luís e no próprio sotaque dos maranhenses – do fundo da tabela da pobreza. Em 2014, dez dos 15 municípios brasileiros com menor renda continuam a localizar-se naquele estado, e nenhuma localidade maranhense entra na lista nacional das 100 com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um conjunto de indicadores compilados pelas Nações Unidas.

Tal como a pobreza, também os Sarney se perpetuaram no poder. A filha de José, Roseana, era a actual governadora. O clã esteve afastado do poder apenas entre 2006 e 2009, com a eleição do governador Jackson Lago. Mas esteve sempre fortemente condicionado pelos rivais, e acabou por ser demitido por alegadas violações da lei eleitoral.

O nome da família Sarney, e sobretudo do patriarca, está em centenas de ruas, bairros, estradas, escolas e hospitais de todo o estado, à imagem de uma ditadura exótica. Ao culto de personalidade somaram-se fenómenos de corrupção, clientelismo e abuso de poder.

A comunicação social estadual, igualmente dominada pelos Sarney, alertara o eleitorado durante esta campanha para a ameaça de uma “ditadura comunista”. Dino fora ainda alvo de diversas e graves acusações pessoais pela boca de presos arregimentados pela máquina do PMDB, recorda o jornal Estado de São Paulo. No entanto, o discurso contra a “oligarquia” e o “coronelismo” acabou por colher o apoio de uma expressiva maioria.

Dino, com 46 anos e pai de dois filhos, é advogado e professor na Universidade Federal do Maranhão. Foi juiz federal e líder sindical. Em 2011, assumiu a presidência do Instituto Brasileiro do Turismo (Embratur).

Após a eleição, Dino prometeu “um governo bom, simples, com os pés no chão” e um forte combate à corrupção. “[Vamos] tirar nosso estado das páginas policiais”, declarou ainda em referência à grave crise de criminalidade que colocou o Maranhão na imprensa internacional. No início do ano, correram mundo as notícias e vídeos de decapitações e torturas medievais praticadas entre gangues rivais na prisão de Pedrinhas.

O novo governador anunciou ainda um plano de emergência para retirar as cidades do Maranhão do “ranking vexatório” das localidades mais pobres do Brasil. A construção de habitação social será um dos pilares da estratégia. No estado, apenas metade da população vive numa casa com água canalizada e acesso à rede de esgotos.

Os comunistas brasileiros nunca governaram oficialmente um estado da federação. Apenas ocuparam o poder por 80 horas no Rio Grande do Norte, no meio de uma revolta popular. O PCdoB foi um partido ilegal até 1986.

Nota: O '1917' no título refere-se ao ano em que duas revoluções – a de Fevereiro e a de Outubro – derrubaram o poder imperial russo e implantaram o regime soviético.