Teoricamente fora de jogo, nos corredores das várias candidaturas comentava-se que o tucano teria atirado a toalha ao chão. A teoria, por sinal, parecia encontrar sustentação nas declarações precipitadas de Fernando Henrique Cardoso e de assessores do candidato: Aécio Neves deveria sinalizar o apoio a Marina Silva para o segundo turno, então melhor posicionada para lá chegar, e evitar atacá-la.
As sondagens não permitiam sonhar mais alto.
Afastado do poder desde 2002, ano em que Luiz Inácio Lula da Silva sucedeu a Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto, o PSDB está pressionado pelos conservadores brasileiros a interromper o que ainda pode ser o quarto mandato consecutivo do PT de Lula – se Dilma Rousseff vencer estas eleições serão 16 anos de governo petista.
Em 2006 e em 2010 as expectativas saíram frustradas: primeiro com Geraldo Alckimim, reeleito no doingo para novo mandato como governador de São Paulo, e depois com José Serra, que acaba de garantir a sua eleição para Senador por São Paulo no Distrito Federal, afastando Eduardo Suplicy, histórico do PT que estava há 24 anos no cargo.
É neste quadro – de incapacidade do PSBD se reconciliar com a maior parte dos eleitores brasileiros e de furar a muralha que entretanto o PT construiu à sua volta, deixando grande parte do eleitorado das classes baixa e média dentro dela – que aparece Aécio Neves da Cunha, 54 anos, natural de Belo Horizonte, neto de Tancredo de Almeida Neves, ex-ministro da Fazenda e ex-ministro da Justiça e Negócios Interiores do Brasil e ex-governador de Minas Gerais, que chamou Aécio, então com 21 anos, para seu ser secretário pessoal enquanto corria como candidato ao cargo para o qual acabou por ser eleito em 1983.
A partir daí, aquele que viria a ser conhecido como o neto de Tancredo, o Presidente do Brasil eleito em 1985 que nunca chegou a assumir o cargo porque viria a falecer três meses depois da eleição, iniciava um percurso que o havia de levar à mais alta roda da política nacional.
Pronto para governar?
Aécio Neves, economista formado em Economia pela Católica do Rio de Janeiro, onde viveu durante alguns anos até ser chamado pelo seu avô, casou-se com Letícia Weber, 34 anos, ex-modelo do Rio Grande do Sul, em Outubro de 2013.
Durante um dos debates com Dilma Felipe Dana/AP
Em Junho, foi pai de Júlia e Bernardo, um casal de gémeos que nasceram prematuros. O candidato tem mais uma filha, Gabriela Neves, fruto do casamento, entre 1991 e 1998, com advogada Andréa Falcão.
Há um ano que é preparado pela máquina do PSDB para levar o partido à vitória. Na liderança dos tucanos desde 18 de Maio, o seu percurso como líder da oposição, porém, não lhe valeram grandes méritos e não lhe apresentou como candidato nacional.
O agora adversário directo de Dilma Rousseff só fez dois discursos em Brasília e confirmou, segundo os comentadores políticos e jornalistas, uma regra defendida pelos mesmos nas análises publicadas: o PSDB não sabe fazer oposição ao PT.
O percurso em Minas Gerais, no entanto, dá-lhe peso político e convence as cúpulas do partido de que o eterno delfim de Fernando Henrique Cardoso – Aécio Neves chegou a assumir a Presidência do Brasil durante três dias em 2001, como Presidente da Câmara dos Deputados, num período em que o então chefe de Estado e o seu vice estavam em visitas no estrangeiro – estaria em condições de disputar uma eleição nacional.
No estado mais rico do país (o PIB de Minas Gerais fica apenas atrás do Rio de Janeiro e de São Paulo), Aécio foi eleito deputado federal entre 1986 e 2001, governador em 2002, acabando por ser reeleito em 2006 com 77% dos votos e chega a Senador por Minas Gerais em Brasília em 2010. Como deputado deu nas vistas ao defender o direito ao voto aos 16 anos e como governador promoveu a alfabetização junto da população analfabeta do estado.
Mas isso não terá sido suficiente para conquistar o apoio do eleitorado do segundo maior colégio eleitoral do país. Apesar de Minas Gerais ser o seu reduto, o tucano não conseguiu mais do que 39,46% dos votos nas eleições deste domingo, ficando atrás de Dilma Rousseff que somou 43,46% dos votos.
Os altos níveis de criminalidade e a denúncia do alegado uso de dinheiro público (14 milhões de reais) para a construção de um aeroporto com capacidade para receber aeronaves de pequeno e médio porte para uso pessoal num terreno do tio-avô, não foram perdoados pelos eleitores mineiros.
Além disso, num estado com altos níveis de pobreza, no qual a sucessora de Lula apostou forte nos últimos quatro anos através de investimento público em infra-estruturas e em políticas de apoio social, o PSDB e Fernando Henrique Cardoso são de má memória e o PT explorou esta herança. Para reverter esta memória, e frente aos ataques da petista que serão intensificados nos próximos dias, o tucano vai ter de rever a estratégia e o discurso da sua candidatura para Minas Gerais se quiser chegar a Presidente do Brasil.
O elemento que faltava para polarizar
No domingo à noite, a imprensa, reagindo a quente ao escrutínio, registou o mérito do candidato do PSDB na recuperação que conseguiu nas últimas duas semanas.
Numa campanha em Belo Horizonte Paulo Fonseca/EPA
Se por um lado a mudança de estratégia tucana favoreceu o sprint final – Aécio reforçou os ataques a Dilma e a Marina –, o desempenho da candidata do PSB, que acusava a ofensiva travada pelo PT, não terá sido alheio à percentagem de votos arrecadados no domingo pelo candidato.
O último debate, transmitido na quinta-feira pela Globo, poderá ter sido a peça que faltava para fechar o tabuleiro: a prestação de Aécio virou notícia depois de questionar Marina onde estava a ‘nova política’ que preconiza quando foi revelado o escândalo mensalão em 2005 e a então ministra do Meio Ambiente de Lula nada disse, colando-a assim ao PT, ou ainda quando lembrou que o programa’ Bolsa Família’, para brasileiros em extrema pobreza, já existia nos tempos de Fernando Henrique Cardoso.
Nas próximas três semanas de campanha para o segundo turno, a 26 de Outubro, Aécio e Dilma vão travar uma luta renhida.
Consolidadas que estão duas décadas de polarização PT/PSDB na política brasileira, o candidato do PSDB chega forte diante da candidata à reeleição, que teve um desempenho pior (43% dos votos) do que no primeiro turno das eleições de há quatro anos (47%).
Acresce que Dilma Rousseff não só teve o pior resultado obtido pelo líder de uma disputa presidencial desde 1989, como foi esmagada em São Paulo (25,82% dos votos contra 44,22%) pelo candidato do PSDB.
O conservador maior colégio eleitoral do país, com quase 32 milhões de eleitores (22,4 dos 242 milhões de eleitores brasileiros), foi determinante para enfraquecer a candidatura de Dilma e para tirar Marina do jogo. Aécio Neves, o candidato que 12 anos depois pode ser o sucessor de Fernando Henrique Cardoso, está assim legitimado para dar continuidade a uma rivalidade histórica entre PT e PSDB, que vive o seu sexto grande duelo: os tucanos venceram duas vezes e os petistas três.
Nesta segunda-feira, Aécio Neves, com 34% dos votos, está em São Paulo para afinar com a equipa coordenadora da sua campanha a estratégia para o recomeço da disputa eleitoral.
Dilma Rousseff também está em Brasília a rever os argumentos, agora que foi surpreendida por um adversário que chegou a este domingo com 26% nas sondagens e que conseguiu mais 33% dos votos do que José Serra, o candidato do PSDB com quem disputou o segundo turno em 2010, ano em que foi eleita.
No discurso de vitória, porém, os dois candidatos já sinalizaram o que pode vir nas próximas semanas: Dilma vai radicalizar o discurso contra Aécio e evocar “fantasmas do passado”. Aécio deverá responder com o discurso com que Marina Silva conseguiu 21% dos votos: é hora de “unir forças” porque “o meu governo será de todos os brasileiros”, sinalizando o interesse em contar com o apoio de Marina Silva.
Nesta segunda-feira, e de acordo a edição online do Estado de São Paulo, Marina já terá ligado para Aécio Neves e para Dilma Rousseff e pedido para os candidatos “enobrecerem” o processo democrático, não falando em apoios que possa vir a dar.
“Há um mês, o meu telefone quase não tocava. Agora, ando com três telemóveis”, disse na semana passada à Folha de São Paulo. Vai precisar de um quarto telemóvel?
O candidato do PSDB tem razões para festejar Eugenio Savio/AP