Há muitos anos, durante um almoço na Gôndola, o Dr. Paulo Portas, face à minha dificuldade em me definir como 'de esquerda' ou 'de direita', sugeriu-me o clássico teste do limão: a direita privilegia a liberdade, a esquerda a igualdade. E daqui decorreria o pendor pró Estado da esquerda, pois o princípio criador das acções do Estado é a promoção da igualdade.
Hoje acho que 'igualdade e liberdade' são conceitos demasiado abstractos para deles se poderem inferir, de forma clara e unívoca, as implicações concretas que dão conteúdo prático ao 'ser de esquerda ou de direita'.
Alguns exemplos ajudam a clarificar o ponto. Em que dimensões são os trabalhadores do público e do privado iguais? E as gerações vindouras? Quem garante o seu acesso ao usufruto da natureza ou do estado social em condições iguais às de hoje? A esquerda dirá que os trabalhadores são iguais no público ou no privado e a direita arvorar-se-á em defensora da igualdade entre-gerações. E a liberdade? 'Caveat emptor' ou 'caveat venditor', nas suas mais variadas, são um clássico, pendendo a esquerda para o segundo e a direita para o primeiro.
Em 1776 viram luz dois documentos fundadores da visão liberal da relação entre Estado e Liberdade. Um é a Riqueza das Nações, de Adam Smith, que analisa como um sistema de mercado articula liberdade individual com a cooperação necessária para produzir os bens económicos necessários à vida quotidiana, num quadro de um Estado de Direito. O outro é Declaração da Independência redigida por Thomas Jefferson, onde as ideias de igualdade foram articuladas com rara eloquência: “Estas verdades são evidentes, todos os homens são iguais, o se Criador deu-lhes direitos inalienáveis entre os quais estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade”.
Destes documentos parece-me claro inferir que a liberdade não se define contra o Estado, nem apesar do Estado, mas antes com o Estado. O que nos conduz a uma questão de verdadeira relevância prática: a da 'cooperação' entre as duas ideias.
A impossibilidade de um sistema de planeamento central, demonstrada por Hayek nos anos 30 do século passado e confirmada pela realidade nos anos 90 do mesmo século, significa que qualquer que seja a intervenção do Estado na economia e na sociedade esta dever-se-á pautar pela modéstia face à complexidade da realidade. Modéstia que resulta da necessária falta da informação e dos meios para conhecer o 'como' e o 'para quem' requeridos para decidir. Assim, a questão central será saber se o Estado pode cumprir as suas funções, quaisquer que sejam elas, sacrificando a liberdade de escolha e a descentralização da tomada de decisões. A questão será, então, o 'como' fazer, mais do que 'o que' fazer.