A esquerda a tresler Cavaco

Cavaco Silva aproveitou o seu último discurso de fundo num 5 de Outubro (daqui a um ano o país estará em plena campanha das legislativas e, daqui a dois, já será outro o Presidente em Belém) para reflectir sobre os ideais do regime republicano, a crescente insatisfação dos cidadãos com as instituições democráticas e a…

Cavaco relembrou que “o sistema eleitoral proporcional, como aquele que possuímos, só permite uma governabilidade estável e duradoura se for acompanhado de entendimentos partidários de curto e médio prazo”. E apontou factores de risco como os “níveis preocupantes de abstenção”, a emergente “tendência para a demagogia e o populismo” ou os bloqueios levantados pelo “aparelhismo partidário”.

Houve quem fizesse questão de tresler a intervenção do Presidente, extrapolando ideias que lá não estão e ignorando os alertas que lá estão. Vejamos.

Sobre o sistema eleitoral e a governabilidade do país: não é verdade que, nestes 40 anos, em 13 actos eleitorais legislativos, só houve três maiorias absolutas? Que desses actos eleitorais resultaram cinco Governos minoritários, dos quais apenas um sobreviveu até ao fim, em permanente instabilidade? Que é fácil ao centro-direita fazer coligações de Governo, mas é quase impossível ao PS consegui-las à esquerda? E não anda, há anos, o Presidente a apelar aos partidos e a bater na tecla de uma cultura de diálogo e compromisso? Sobre os níveis de abstenção: 65,5% nas últimas europeias (e quase 8% de Brancos e Nulos) ou 47,4% nas últimas autárquicas não é preocupante? Sobre o populismo e os demagogos: epifenómenos eleitorais como Marinho Pinto, José Manuel Coelho ou Fernando Nobre não bastam? 

A esquerda tentou reduzir a análise e os avisos de Cavaco à falta da “sua própria autocrítica”, aos malefícios das “políticas de austeridade” ou à insistência na “queda do Governo”. Os piores cegos são os que não querem ver. Da próxima vez, é melhor o Presidente da República fazer-lhes um desenho que resuma os pontos essenciais do discurso. Para ver se, assim, percebem.

jal@sol.pt