O euro ameaçado

Quando, depois da queda do muro de Berlim, a Alemanha (RFA) reintegrou a antiga RDA comunista, o então chanceler Helmut Kohl empenhou-se em ancorar firmemente o seu país na UE, para evitar o regresso dos ‘demónios alemães’. Por isso acedeu à pretensão francesa de adoptar uma moeda única europeia, abandonando o marco. Isto concretizou-se sem…

A inflação é o perigo que os alemães mais temem. Na sua memória colectiva persistiu a hiper-inflação de 1923, que liquidou as poupanças germânicas. E, embora menos virulenta, a inflação voltou à Alemanha nos anos a seguir ao fim da II Guerra Mundial.

Depois o marco tornou-se um motivo de orgulho para os alemães, talvez maior do que a sua recuperação económica. O marco era uma moeda forte, porque não perdia poder de compra. Ou seja, não havia inflação significativa na Alemanha, graças sobretudo a uma política rigorosa do banco central, o Bundesbank, independente do poder político.

Nos anos 90 a criação do euro preocupava os alemães sobretudo por causa da Itália, um país de grande dimensão mas sem disciplina nas suas contas públicas, podendo gerar inflação. Daí medidas para garantir essa disciplina nos países do euro, como o Pacto de Estabilidade. Mas este não funcionou e até foi violado pela própria Alemanha em 2004, sem consequências.

A obsessão com a estabilidade dos preços explica a actual – e crescente – hostilidade dos alemães ao Banco Central Europeu (BCE) e ao próprio euro, cujo futuro está assim seriamente ameaçado. Por isso Draghi não pôde ir mais longe nas compras de títulos pelo BCE para relançar o crédito e a economia. Ele está bloqueado pelos alemães.

O ministro alemão das Finanças, Schäuble, afirmou estar desconfortável com a perspectiva do BCE comprar títulos de dívida, medida a que também se opôs o governador do Bundesbank, Weidmann. Entretanto, o partido alemão anti-euro (que não é de esquerda) vai ganhando peso em sucessivas eleições estaduais.

Alastra na Alemanha a ideia de que, para tentar salvar o euro, o BCE toma medidas ilegais face ao Tratado da UE (que proíbe resgates, e no entanto…). Muitos alemães encaram o euro como uma forma de os obrigarem a financiar países que não põem em ordem as suas contas públicas. 

Assim, quase resta a Draghi apelar a reformas nos países da zona euro em dificuldades. Só que a França e a Itália, embora falem em reformas, não as concretizam ou fazem-no a passo de caracol. E à Alemanha não agradou, naturalmente, que Juncker tenha escolhido para comissário responsável pela disciplina orçamental dos Estados membros um ex-ministro socialista francês, Pierre Moscovici. 

Logo na altura em que Paris anunciava que não cumprirá a meta do défice acordada com Bruxelas (apesar de dois adiamentos antes concedidos) e que rejeita a austeridade…

Há um único ponto positivo: alguma descida do euro face ao dólar, que estimula as exportações europeias e, encarecendo as importações, faz subir os preços. Ajuda a combater a deflação, mas não chega. 

Um euro sem a Alemanha seria uma fantasia. E um euro com a Alemanha parece tornar-se problemático. Assim, a crise do euro ameaça regressar em força. Aliás, ela nunca foi ultrapassada, apenas adiada pelo BCE. Mas este já pouco consegue adiar.