Os avisos do Presidente

Com o prestimoso auxílio de vários media e dos habituais politólogos de serviço, fomentou-se uma invulgar expectativa à volta do discurso de António Costa nas cerimónias do 5 de Outubro.

Em directo, a RTP lembrava, insistentemente, através de um dos seus repórteres no local, que era a primeira intervenção do ainda autarca depois de ungido nas primárias socialistas para ser candidato a primeiro-ministro. A fasquia estava alta.

Sabendo-o, Costa trocou as voltas a quem esperava que ele aproveitasse a oportunidade para marcar o terreno da oposição. Serviu um texto com o 'balanço e contas' da sua gestão municipal, à guisa de despedida, pediu o regresso de dois feriados, e gabou-se das reformas feitas. Foi astuto.

Ao contrário do previsto, o 'prato político' de fundo viria a ser servido por Cavaco Silva, ao proferir um dos melhores e mais incisivos discursos deste seu mandato.

Por uma vez, o Presidente pôs de lado a parcimónia ritual, recordou a quem tenha a memória curta – ou não saiba História -, a instabilidade político-partidária que minou a Primeira República e desembocou numa ditadura de meio século – e, embora relativizando os perigos, comparou-a com as fragilidades e bloqueios do sistema, 40 anos após o 25 de Abril.

Os partidos do chamado 'arco da governação' deixaram-se invadir por uma legião de interesses e de oportunismos, divorciados do espírito de missão, que despontam logo nas juventudes partidárias. E os partidos mais à esquerda, de veia estalinista, falam como se fossem paradigmas da virtude e da liberdade. É a má moeda.

Somam-se os equívocos. A qualidade do pessoal político ressentiu-se, com o afastamento de muitos.

Basta olhar, aliás, a composição do Parlamento para o perceber sem dificuldade. O empobrecimento dos debates – e o silêncio religioso de uma boa parte das bancadas – confirma a bondade da tese de Seguro de que temos deputados a mais.

Ao alertar para o risco de “implosão do sistema partidário”, por causa da “teimosia de uma política de vistas curtas, exclusivamente centrada nos interesses partidários”, Cavaco disse o que precisava de ser dito quando se aproxima um novo ciclo eleitoral, que há-de eleger um Parlamento e um Presidente, e quando falham os compromissos inter-partidários.

Não foi António Costa quem mandou já constar que o PS votará contra o Orçamento do Estado, apesar de nem sequer conhecer as suas bases mínimas?

Contará, decerto, com os diligentes ofícios do reaparecido Ferro Rodrigues, que não mudou de cartilha, como se viu na sua reacção errática ao discurso de Cavaco no 5 de Outubro.

Ao reprovar a “tendência para a demagogia e populismo”, o Presidente voltou a acertar. Vai pagar por isso e já se viu que não faltam as virgens ofendidas nas redes sociais, onde acampou o esquerdismo aburguesado.

A fragmentação do Bloco e os minúsculos partidos emergentes apenas ilustram as preocupações presidenciais.

António Costa quer atraí-los e eles não se fazem rogados. Mas faz mal em passear-se com estas franjas dividida.

O sistema fechou-se e roda sobre si próprio. O descontentamento é propício a homens providenciais. Os demagogos estão já na 'grelha' de partida. Cavaco avisou. Alguém o ouvirá?