A bordo de uma nave especial

“Não sou um homem. Sou um anjo”. Era assim que Sun Ra corrigia alguém sempre que o referiam como humano, reforçando a ideia de que tinha chegado à Terra depois de ter sido raptado por extraterrestres, uma vez que era, na realidade, natural de Saturno. Figura peculiar e de pensamento pouco convencional, na sua passagem…

“Por crescer no jazz teve a vida facilitada, uma vez que este estilo tem essa liberdade no seu ADN, mas foi Sun Ra quem ajudou o jazz a tornar-se definitivamente livre. Foi um músico que desbravou terreno novo e que fez sempre questão de puxar os limites da composição, dos arranjos da parte rítmica. Alguém que despertou consciências, musicais e não só, com tudo o que fez, disse e propôs”, menciona Pedro Santos, programador de música do Maria Matos e responsável pela tarde de música que o teatro de Lisboa preparou para celebrar, hoje, dia 18, o seu 45.º aniversário.

Nuno Rebelo, Bruno Pernadas, Mo Junkie e Gala Drop foram os nomes escolhidos para se juntarem à festa, com Pedro Santos a pedir-lhes que fizessem “releituras muito pessoais” uma vez que são todos “músicos que sempre se sentiram influenciados pela música de Sun Ra”. Numa espécie de aniversário duplo, assinala-se igualmente o centenário do nascimento de Herman Poole Blount, rebaptizado pelo próprio, na década de 1950, como Sun Ra (diminutivo de Le Sony'r Ra).

Com início às 16h30, Nuno Rebelo – “alguém que domina muito bem a improvisação, mas também o arrojo estético” – apresenta um espectáculo com alunos do Conservatório da Gulbenkian de Braga, onde se inclui um coro de 20 elementos e um grande ensemble de cordas e de sopros. Seguem-se as apresentações de Bruno Pernadas – músico que também tem “o jazz e a improvisação muito presentes, fundindo as duas coisas muito bem” – e de Gala Drop, “fãs desde há muito” do 'anjo saturno'. “A partir dos anos 80 há uma redescoberta da música de Sun Ra, mas ainda hoje alguém que toma conhecimento da sua obra percebe que os seus olhos e ouvidos eram muito diferentes”.

Como artista convidado, o aniversário do Maria Matos conta ainda com a participação de Mo Junkie, alter ego de Edgar Matos, a actuar no café do teatro. “Operando as suas máquinas em tempo real e numa estética mais próxima da electrónica e do hip hop, vai utilizar samples e reconstruí-los dentro do lado mais rítmico da música de Sun Ra”.

alexandra.ho@sol.pt