2. E a verdade é que o fenómeno “Casa dos Segredos” está a perder força. A edição que se encontra actualmente no ar perde fôlego a cada dia que passa, sendo ultrapassada, em audiências, pela telenovela da SIC. As galas de domingo lideram o horário nobre, batendo a concorrência de SIC e RTP – mas já não esmagam, como outrora. As galas já não são o programa mais visto do dia de domingo: o Jornal das 8 da TVI tem ficado em primeiro lugar! Ou seja, a Casa dos Segredos é um formato em visível decadência.
3. Para além do desgaste natural de um formato que já não vai na quinta edição (mesmo os maiores fãs desta forma de bisbilhotice sofisticada do nosso tempo, não estão já saturados de tanta discussão, de tantos trios amorosos, de pais desavindos, de lençóis a ondular com a subsequente discussão sobre o que terá acontecido, com os intervenientes a desmentirem e ficam horas, horas e horas a decifrar o mundo dos lençóis ondulantes…?), a TVI e a Endemol (produtora do programa) cometeram um erro crasso – o qual revela profundo desconhecimento do povo português.
4. O erro traduziu-se em achar que quanto mais polémica, quanto mais discussão intensa, quase agressão, mais frases bombásticas – mais audiência, mais receitas publicitárias, mais dinheiro. Enganaram-se – os portugueses são um povo muito peculiar. Gostam de discussão, cenas de sexo, garrafas pelo ar – mas non troppo. Com muita moderação. O português não gosta de exageros – tudo o que é excessivo, os portugueses rejeitam. Daí que as cenas da última semana – que não vimos, mas que nem é preciso ver, pois o Correio da Manhã e as revistas de TV relatam com todos os detalhes – com cenas de sexo e pós-sexo explícitas, com discussões no limiar da agressão física, com comentários racistas e homofóbicos, tornaram o que já é um espectáculo televisivo ligeiro, um formato televisivo de muito mau gosto.
5. A “Casa dos Segredos” e o seu impacto social devem convidar à reflexão de todos os que se interessam pelo fenómeno político em geral: é que a política faz-se com pessoas, com um povo concreto, num determinado contexto histórico. Todo o facto social acaba, mais tarde ou mais cedo, com maior ou menor amplitude, por ser um facto político. Tal reflexão deve assentar em três pontos:
i) Os jovens acolhem muitas destas pessoas que participam na” Casa dos Segredos”, e que a TVI converte em “figuras” (ou “figuronas”), como ídolos ou referências principais. Ora, releva uma enorme crise de valores e de referências: um indivíduo que aparece na TV porque chama “galdéria” em directo a uma jovem é elevado a Deus do Olimpo cá do sítio. Crise de valores, ausência de referências – o que poderá estar ligado a falhas do sistema educativo e social;
ii) A comunicação social está em permanente escrutínio por parte da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), devendo os jornalistas ter o máximo cuidado na forma como escrevem e emitem as suas opiniões, quando convidados a fazê-lo. Mas os concorrentes da “Casa dos Segredos” tem comentários racistas primários, a TVI transmite – mas nada acontece. Ora, os princípios e regras legais da comunicação social não se aplicam à Casa dos Segredos?
iii) O que leva aquelas pessoas a participar neste espectáculo? A fama? A fama, por si só, não parece ser a explicação. Ou é uma sensação de que a Casa dos Segredos é a única via de progressão social e de ruptura com a vida que levam? Ou a única “via de escape” às contingências pessoais de cada um? Não haverá aqui uma instrumentalização da pessoa por um espectáculo televisivo?
Note-se que, no fundo, a Casa dos Segredos é uma metáfora perfeita à sociedade comunista e socialista. As pessoas julgam que vivem em liberdade (porque podem movimentar-se dentro da casa), julgam que conservam o seu livre arbítrio – mas há sempre uma “Voz” que tudo comanda, que tudo controla, que manipula o jogo. A comida é racionada: tudo é controlado até ao mais ínfimo pormenor. Quer vir comigo para a “Casa dos Segredos”? Não? Concordo consigo: também não quero viver na Casa dos Segredos. Pense nisto antes de votar em certas forças políticas que acham que, em troca de uma aparência de segurança, um subsídiozinho, uma ajudinha pequeníssima, exigem a sua liberdade e a sua autonomia ética. Pense duas vezes sobre o que é, de facto, a esquerda…
De segunda a sexta-feira João Lemos Esteves assina uma coluna de opinião no SOL