Chegou a haver momentos com rendas em atraso durante meses. “Ou comia ou pagava a casa”, justifica a mãe.
Patrícia é um dos 430 mil portugueses que recebem o salário mínimo nacional (SMN). Tem 28 anos, vive num bairro da Câmara no Porto, em Paranhos, e trabalha como auxiliar de serviços gerais numa associação mutualista há quase seis anos. O marido, Bruno, está desempregado “há 15 ou 16 anos” – quer ele quer Patrícia são ex-toxicodependentes, em recuperação há 10 anos.
O aumento do SMN de 485 para 505 euros, acordado entre o Governo e os parceiros sociais no início deste mês, vai fazer diferença. “Tenho um caderno onde aponto o dinheiro que ganho, as despesas e os dias que faltam até ao final do mês. A segunda metade do mês é sempre mais complicada”.
A família vive com o SMN de Patrícia mais 80 euros com limpezas aos sábados e 29 euros de abono de família.
A alimentação é o principal problema. A família gasta cerca de 200 euros por mês no supermercado, apesar de aproveitar as promoções. O que falta é compensado com a ajuda de uma segunda associação, a Ajudaris. Levar marmita para o trabalho é uma obrigação – e às vezes Patrícia traz de lá as sobras da cozinha.
Na habitação, pagam agora 31,5 euros de renda numa casa camarária. Antes, numa altura em que Bruno recebia Rendimento Social de Inserção, chegaram a viver numa casa arrendada no centro do Porto – uma habitação maior mas muito degradada e que lhes levava 285 euros de renda. “Chegámos a ter sete meses de atraso”.
A habitação social tirou-lhes a preocupação com a renda anterior, mas o sufoco mantém-se com os gastos em luz, água, passe, almoços na escola e o ATL da filha. A saúde é uma preocupação constante: a farmácia leva 20 a 40 euros por mês, já que Bruno tem asma e só o inalador de que precisa custa 18 euros.
Às escuras, para poupar luz
Noutras famílias a viver com o salário mínimo que o SOL visitou há pontos em comum. A gestão do orçamento familiar é uma tarefa hercúlea, sempre mais difícil nos últimos dias do mês. As crianças estão no centro das angústias dos pais, que andam na casa dos 30 e não têm a escolaridade obrigatória e que tentam protegê-las de uma realidade dura. A solidariedade de associações e de familiares ajuda a sobreviver, mas não há um pé-de-meia para fazer face a emergências. Ter um ordenado e viver em risco de pobreza é uma realidade.
Isabel Nascimento, 32 anos, ajudante de cozinha num restaurante do NorteShopping, também recorre à associação Ajudaris para pôr comida na mesa. A sogra também ajuda e, sem estes apoios, tudo seria “mais difícil”. Dos 431,65 euros líquidos que recebia antes do aumento do SMN, já feitos os descontos, cerca de 300 euros saem imediatamente para pagar a renda de um T2 +1 num prédio antigo do centro do Porto – a família pediu à Câmara do Porto habitação social, mas o pedido foi negado por existirem casos mais carenciados.
Ainda entram em casa “70 e poucos euros” de abono familiar, mas as contas, de tão apertadas, são relativamente simples: o que sobra é sempre pouco e tem de chegar para sustentar quatro pessoas. O marido está desempregado. Os dois filhos de cinco e 14 anos não dão despesa na escola devido à acção social, mas têm limitações. Têm a sorte de ter “primos mais velhos” que cedem roupa que ainda está boa.
Não saem muito de casa. Sair implica gastar sempre algum dinheiro, justifica Isabel. E eles não pedem um gelado ou bolos? “Tenho habilidade para fazer essas coisas. Tenho açúcar e farinha. O meu mais velho gosta muito dos brigadeiros brancos que eu faço. Também faço rissóis”, responde a mãe, que falou ao SOL na penumbra da casa, para poupar electricidade.
Manuel, o filho mais velho, sai para jogar futebol no Centro Desportivo do Candal, para onde vai de boleia com o treinador e onde não lhe cobram mensalidade. Quando não está na escola ou a jogar à bola, passa a vida a jogar PlayStation, uma prenda que ganhou aos sete anos, quando ambos os pais tinham emprego. Desde então, a vida piorou e Isabel e Paulo, que já estiveram na lista de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), tiveram mesmo uma dívida à EDP. Estão a pagar há cinco anos e só este mês ficará saldada.
“Digo-lhes fazer um mealheiro”
Não é coincidência que a reportagem do SOL incida em famílias do distrito do Porto. Os estudos mostram que os maiores níveis de prevalência de salário mínimo na população empregada se registam na Região Norte.
Em termos de áreas de actividade, os dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento da Segurança Social mostram que há maior percentagem de pessoas a receber o salário mínimo na restauração e hotelaria (17,5% do total de trabalhadores neste sector).
A família de Cátia Ramalho e Paulo Tavares, com três filhos, é um exemplo deste perfil. O marido leva para casa o único ordenado do agregado familiar: 431,65 euros líquidos. Paulo trabalha há dois anos até de madrugada num restaurante do Cais de Gaia. Antes, numa altura em que consumia drogas, esteve desempregado vários anos.
Cátia admite fazer uma ou outra refeição mais remediada para que não falte “sopa, conduto, legumes e fruta” aos filhos. “Os 20 euros de aumento do SMN vão para a factura da água. Só quem tem o ordenado contado é que consegue ver que faz a diferença”, salienta.
Cátia, que nos últimos sete meses trabalhou em limpezas numa loja de roupa, recebeu depois das férias a notícia de que a empresa ia fechar lojas e cortar no número de funcionários. Caiu assim numa aflição que conhece bem: antes do último emprego, esteve dois anos a receber o RSI.
Fará dois anos este Natal que a família se mudou para uma casa da Câmara. As despesas diárias sufocam a família, mas há truques para afastar o pessimismo. Diego, o filho do meio, com cinco anos, ficou louco há dias com uma bicicleta do Homem-Aranha. Yasmin, a mais velha, e Taíssa a mais nova, são “muito vaidosas” e querem “batons e pinturas”. “Não digo que não temos dinheiro. Digo 'vamos fazer um mealheiro' – eles têm todos um mealheiro -, pomos uma moedinha e quando estiver cheio compramos'“.
Faz questão de sair com os miúdos. Afinal, diz, “os parques e jardins municipais não se pagam” e “as lancheiras existem por alguma razão”. E, quando o rei faz anos, há “um geladinho na rua”.