Manuel Martins, depois de uma experiência em Angola que preferiu abandonar, a culminar crises pessoais várias, e de lutar contra o ocupação do seu espaço do Chiado, reabriu-o em Março de 2013. Estruturalmente, o piso pombalino está igual: o balcão do bar, corrido, longo e em madeira, à direita, umas pequenas escadas a conduzirem-nos para uma sucessão de três salas à esquerda, com a agradável esplanada bem recolhida ao fundo, e de mesas mais espaçadas. Esta esplanada é a grande trouvaille da casa: a dar para a R. das Flores, nas traseiras do prédio, fecha-se mais em clima agreste, e abre-se toda no tempo caloroso. Já a decoração mudou de forma bastante radical: está mais sóbria, despojada, quase minimalista. Mas os cadeirões continuam a ser muito confortáveis, de pele e de braços. Os atoalhados de bom linho branco, e a baixela adequada.
Dá-se agora mais atenção ao petisco, e para isso a primeira sala, próxima do balcão, tem mesas altas. O chão é como se fosse de cimento liso. Os candeeiros têm um design mais moderno. Mas, claro, mantém-se o ambiente e o agasalho que explicam (enfim, podia haver aqui alguma moderação, desde que não afectasse a qualidade) os preços altos: informalidade sim, mas muito bem aconchegada, sofisticada até.
A ementa manteve-se no essencial, desde os míticos ovos mexidos esmagados em batatas fritas, passando pela belíssima perdiz de escabeche ou o arroz de lebre, até acabar nos doces alentejanos. Para já não falar nas melhores empadas de Lisboa, sempre a saberem a pouco, e postas na mesa com o couvert de pão alentejano bem fatiado. Diz-se que as sopas, as célebres açordas alentejanas, foram saindo da lista, por pouca procura (será que só os alentejanos se perdem com aquelas delícias de caldos, pão seco e aromas de ervas?).
De especialidades óbvias, como os pezinhos de porco de coentrada, oferecem-se aqui agora também de borrego. Mas há coisas mais consensuais, do ponto de vista regional, como uns excelentes filetes de peixe fresco com um bom arroz de berbigões, ou o peixe com molho de coentros.
Manuel Marins trouxe mais novidades para a sua lista: bacalhau confitado, ou fumado.
E se, na doçaria alentejana, a confeitaria já sobressaía pelas suas nozes caramelizadas, agora apresenta também aí uma novidade: as bolachas de noz.
Podíamos agradecer um embaratecimento dos vinhos alentejanos, com vantagens de acompanhamento para a boa comida – a começar pelo novo e magnífico Reserva do Monte da Ravasqueira (e que nem é dos mais caros).
Pois seja muito bem regressada esta bela Charcutaria ao Chiado de gastronomia em ebulição.
O alentejano de Lisboa
Manuel Martins, 67 anos, proprietário e responsável pela cozinha da Charcutaria, “nasceu no Alentejo aos 19 anos”, quando em 1966 foi para a Universidade de Évora estudar Economia e Sociologia. Desde aí, entre Évora, Mourão (onde viria a casar, e entretanto se divorciou) e Lisboa (de onde era realmente), passou a fazer a vida de um alentejano.
Os pais, beirões (e lá cultivou o cabrito assado à moda da Beira), tinham uma boa charcutaria em Campo de Ourique, onde ele se tornou gourmet, e que transformaria depois no seu primeiro restaurante (pequeno em espaço mas de imediato sucesso) em 1989, quando tinha 42 anos. Chamaram-lhe logo o Alentejano.
O jeito para cozinhar vem-lhe de sempre. Em Évora, começou a cultivar o petisco alentejano. E depois o casamento acentuou-lhe o gosto e deu-lhe receitas. Diz-se que também pagou bem por receitas, em Évora, para conseguir a melhor doçaria local.
Indiferente às modas gastronómicas, foi entrando em interpretações pessoais das receitas que trabalhava e chegou a apuramentos únicos: não há empadas como as suas. Há uns anos, o divórcio fez-lhe tremer os negócios, acabando a crise por lhe levar um segundo restaurante, maior e mais caro, na R. do Alecrim. Andou depois por Luanda, e voltou a abrir a Casa da R. do Alecrim, de que aqui tratamos, em Março de 2013.