A dividir os bispos estiveram duas questões concretas: o acolhimentos dos gays e a proibição da confissão e da comunhão aos recasados, pois para a Igreja o casamento é indissolúvel. Questionado pelo SOL sobre o seu sentido de voto no relatório final do sínodo, onde se pede um aprofundamento destes temas, o patriarca respondeu, entre risos: “Ainda é preciso perguntar?”. Isto, depois de minutos antes, num encontro com jornalistas para fazer o balanço da reunião com o Papa, ter sublinhado a “grande evolução no tratamento destes dois grupos [recasados e homossexuais] nos últimos tempos” mas ter reconhecido “o caminho que ainda há a fazer”. Manuel Clemente lembrou, porém, que tudo está em aberto até ao próximo sínodo, em 2015, após o qual o Papa dará orientações a toda a Igreja. “Não sei dizer-vos onde estaremos daqui a um ano”.
A falta de consenso em torno destas questões levou a que se tenha até colocado a hipótese de não incluir estes temas no relatório final do encontro. Perante esta situação, contou Manuel Clemente, um bispo europeu levantou-se e dirigiu-se pessoalmente ao Papa: “Sua Santidade chamou-nos aqui para debatermos estas questões, o mundo sabe que estamos a discuti-las. Se não vamos dizer nada sobre isto, o que vou dizer quando voltar à minha diocese?” Sempre presente no encontro, sem aplaudir nem desaplaudir os argumentos apresentados, Francisco incentivou o debate: “Como que a dizer-nos: vamos para a frente”, conta o patriarca. Em momentos de maior tensão, chegou a dizer para acalmar os ânimos: “Falem à vontade que eu estou aqui, como sucessor de Pedro, e por isso a doutrina será garantida”.
A discussão sobre os temas polémicos acendeu-se depois de muitos bispos terem contestado o conteúdo do relatório que saiu a meio do encontro, elaborado pelo cardeal Péter Erdò. Este referia que “os homossexuais têm dons e qualidades a oferecer à comunidade cristã” e que é preciso “aceitar as realidades do casamento civil e das uniões de facto, respeitando as diferenças”. Na opinião de Manuel Clemente, o tom foi “excessivo em relação ao que se tinha ouvido e parecia que o sínodo estava a passar um cheque em branco a estes temas”. O patriarca diz que nos debates posteriores a este relatório – amplamente analisado nos media como uma abertura grande da Igreja à sociedade – o tom foi o de recuo. “Foi uma atitude normal de defesa”, reconhece.
Pontos polémicos votados à parte e sem maioria absoluta
Os bispos acabaram por aprovar um documento geral – onde sublinham a importância do modelo da família cristã – e por votar em separado os três pontos (52, 53 e 55) que se referem aos temas polémicos. Foi o próprio Papa que pediu que o número de votos fosse incluído no relatório. Mais de metade – 118 entre 180 bispos – concordaram que “os homens e as mulheres com tendências homossexuais devem ser acolhidos com respeito e delicadeza”. Também a maioria – 104 entre 178 – pediram uma maior reflexão sobre “a possibilidade de os divorciados e recasados acederem aos sacramentos da penitência [confissão] e da eucaristia [comunhão]”.
Nesta matéria, há os que insistem em manter a disciplina actual que exclui os que se recasaram civilmente de aceder aos sacramentos. E os que consideram que estes podem vir a fazê-lo “em situações particulares e condições bem precisas”, defendo que este acesso não generalizado deve “ser precedido de um caminho penitencial sob a responsabilidade do bispo diocesano”.
O cardeal Kasper é o que tem defendido mais esta posição de abertura, e foi contra este alemão que se dirigiram vozes inflamadas, entre elas a do cardeal Raymond Burke. O conservador norte-americano diz ser impossível “conciliar o conceito inalterável da indissolubilidade do matrimónio com a possibilidade de admitir à comunhão quem vive numa situação irregular”. Manuel Clemente não dá este debate como encerrado e lembra que caberá ao Papa a última palavra sobre o assunto.
Divisões também em Portugal
Ilídio Leandro, bispo de Viseu e membro da comissão episcopal da família, admite ao SOL que em Portugal também há uma divisão entre os que querem que tudo fique na mesma e os que defendem ser necessário debater os assuntos para lidar com eles: “Cá, claro que também há posições diferentes”. Em relação à discussão que se acendeu no Vaticano, encara-a como uma prova de que hoje há liberdade na Igreja. “Mostra que há assuntos em que as pessoas têm posições diferentes e que por isso é preciso aprofundar”. Esse trabalho vai agora ser feito em Portugal. “Vamos discutir o assunto entre os elementos da comissão”, diz, adiantando que possam vir a ser dadas novas orientações. Além disso, Ilídio Leandro acredita que do debate entre os bispos vão sair ideias. “Podemos até dar sugestões para D. Manuel Clemente levar para o sínodo no próximo ano”, admite, lembrando que para analisar o assunto estão a ser feitas reuniões com entidades da família.
Entre os que mais sentem na pele a divisão de opiniões sobre o papel dos gays nas comunidades cristãs estão os membros do Rumos Novos, grupo de homossexuais católicos. José Leote diz ao SOL que, “curiosamente, é entre os padres mais novos que se vêem posições mais conservadores e alinhadas com as posições tradicionais. Talvez porque os mais velhos sejam mais livres no seu pensamento e já não tenham nada a perder”. Sobre a conclusão do sínodo, José Leote reconhece que a “reviravolta” no relatório final desapontou os homossexuais. Contudo, a esperança dos gays volta-se agora para o Papa que “plantou uma semente que dificilmente vai morrer”.