Mas o berço da chamada primavera árabe continua empenhado em dar o exemplo aos vizinhos, preparando-se agora para umas eleições legislativas à luz da nova Constituição e com um frente-a-frente entre antigas figuras do regime que liderou o país mais de duas décadas e os islamistas por eles ilegalizados, que se apresentam como favoritos à vitória.
Para o sucesso inicial da democratização do país muito tem contribuído a posição dos islamistas do Ennahda. Vencedor em 2011 com 37% dos votos, o partido foi responsabilizado pela deterioração da já então frágil situação económica, a que se somou um crescimento da insegurança simbolizado pelas mortes de Chokri Belaid, líder da esquerda secular assassinado em Fevereiro de 2013, e de Mohamed Brahmi, figura do Movimento Popular que foi morto em frente da mulher e dos filhos dois meses mais tarde.
Ataques atribuídos ao grupo salafista Ansar al-Sharia, com a oposição a acusar o Ennahda de nada fazer para impedir o crescimento dos extremistas. Após um impasse que ameaçou a transição e o voto favorável da nova Constituição, o Ennahda aceitou abandonar o Governo em troca do consenso em torno da nova lei fundamental. Em Janeiro deu lugar a um Executivo de tecnocratas independentes.
Dez meses depois, o Banco Mundial voltou a fazer um apelo à execução de reformas que tirem o país de um caos económico que mantém no desemprego 31,4% dos licenciados do país. E apesar da caça aos terroristas – o primeiro-ministro Mehdi Jomaa disse recentemente à Reuters que foram detidos mais de 1.500 membros do Ansar al-Sharia durante o ano –, a ameaça permanece viva como mostra a detenção, na semana passada, de um grupo acusado de planear um atentado em Tunes a menos de duas semanas da votação.
Preferência por coligação
Beneficiando das estruturas que mantiveram o partido vivo na clandestinidade, o Ennahda é novamente apontado como favorito à vitória no domingo. A confiança é tal que para justificar a não apresentação de um candidato para as presidenciais de Novembro, a actual vice-presidente da Assembleia Constituinte, Meherzia Labidi, disse à Al Jazeera que “não é bom para a Tunísia ter um partido com maioria parlamentar e com o Presidente”.
O líder do partido e do anterior Governo do Ennahda, Rached Ghannouchi, diz estar confiante que o partido irá melhorar a votação de 2011, mas nem por isso deixa de ter preferência por uma aliança com outros partidos: “A Tunísia ainda precisa de consensos entre islamistas e secularistas porque depois das eleições não vamos estar numa democracia estável mas sim transicional. Precisamos de um Governo de união para enfrentar os desafios da nossa região”.
Ghannouchi discorda de Labidi na escolha dos eventuais parceiros, uma vez que não exclui os partidos que incluem figuras do antigo regime, como o Partido Nidaa Tounes de Beji Caid Essebsi, um ex-ministro de Habid Bourguiba e Ben Ali que se retirou da política na última década do século passado para depois vir a servir como primeiro chefe de Governo interino pós-ditadura.
“Todos os partidos são legais e estamos prontos para trabalhar com eles. Não vetamos qualquer partido legal”, diz o líder. Já Labidi questiona como “uma pessoa que serviu o despotismo, que foi um dos componentes do sistema que levou à ditadura, pretende ser um construtor da democracia”. Essebsi, de 87 anos, é tido como favorito à vitória nas presidenciais de Novembro, mas lidera a campanha do Nidaa Tounes, que vários analistas apontam como provável segundo classificado nas legislativas.
Os eleitores não rejeitam o regresso dos antigos parceiros do ditador, pois dizem que a democracia não trouxe benefícios económicos e que ainda aumentou substancialmente a insegurança no país. Uma recente sondagem da Pew indica que 59% dos 5,2 milhões de eleitores tunisinos desejam um líder com mão de ferro, quando há dois anos apenas 37% mostravam essa intenção. E os antigos dirigentes aproveitam: entre os 13 mil candidatos aos 217 assentos parlamentares estão os ex-ministros Abderrahim Zouari Transportes), Mondher Znaidi (Saúde) e Kamel Morjan (Negócios Estrangeiros).