Além de ter passado a sofrer de incontinência, a paciente vive com dores constantes que a impedem de ter vida sexual.
Da operação desastrosa até este último recurso interposto pela Maternidade decorreram anos. Finalmente, um colectivo de juízes de ambos os sexos, com idades entre os 54 e os 64 anos, deliberou diminuir em 61 mil euros o valor atribuído à vítima pelo tribunal de primeira instância, argumentando, entre outras coisas, que “a doente já tinha 50 anos e dois filhos”, ou seja, “uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança”.
Para começar, confesso que não consigo perceber qual é a relação entre a sexualidade de cada um e o número de filhos que tem. Os filhos vão apagando o desejo sexual nas mulheres? Pensava que só durante o curto espaço de tempo (três anos, máximo) em que as adoráveis criancinhas berram durante a noite (e sei de muitas mães que nunca passaram por esse ordálio).
Mas deve haver algum estudo cientifico que desconheço, porque não acredito que alguma alma num tribunal europeu contemporâneo possa tomar decisões partindo do pressuposto de que a sexualidade feminina só é protegida por lei enquanto máquina de reprodução.
Surpreende-me também a declaração sobre o decréscimo de relevância da sexualidade individual aos 50 anos. Quais serão os fundamentos científicos e jurídicos dessa afirmação?
E com que idade deixa de ser importante o amor? Com que idade se perde a vontade de rir e de namorar? Até que idade podemos brincar como crianças?
Conheci pessoas que morreram de velhice e fizeram todas estas coisas, incluindo sexo, até à morte. Há quem garanta que o prazer físico é maior com o avançar dos anos, quando se dispõe de mais tempo livre, menor ansiedade, maior autoconfiança e menos inibições.
A glorificação da juventude como época mágica de todos os prazeres e direitos atinge as fronteiras da ficção científica.
Sem benefício para ninguém, porque a juventude, caso não tenham reparado, dura pouco e o resto da vida (felizmente, digo eu) cada vez mais.
Conheço um grande número de jovens aterrorizados com a perspectiva do envelhecimento, e compreendo-os: percebem que, a partir de certa idade, passarão de flores de estufa, protegidas e mimadas, a ervas daninhas que atrapalham o fulgor e a voracidade da jardinagem alheia.
Oh, como os compreendo!