Eu nem costumo falar, mas nem sequer já é por educação, é por outra coisa que também termina em 'ão': depressão.
Estamos cada vez mais pobres. E se não estamos (porque há sempre espaço para dúvidas), levam a vida a tentar convercer-nos disso.
A sucessão de notícias absurdas, que dão conta de mais um buraco financeiro aqui e de outro ali, ora no sector público, ora no sector privado, já deixou de ser motivo para grandes alarmismos, não fosse já estarmos mais que habituados a contribuir à força para causas em que nem sequer acreditamos.
Estamos tão pobres por conta d'outrem que nem sequer já conseguimos manter os vícios miseráveis e mundanos que nos mantinham vivos e com uma réstia de esperança, com aquela chaminha de boémia acesa. Sim, porque quando comprar um maço de cigarros é sinónimo de um rombo no orçamento, a situação é grave.
Se bem que dá um certo charme alternativo fumar tabaco de enrolar, não?…
Bom, se esta é a limitação que a pobreza por conta d'outrem nos tem vindo a proporcionar, imaginemos um cenário ainda pior. Parece o Monopólio:
Sabe-se lá como, as ginásticas que temos vindo a aprender a fazer, proporcionaram-nos poupar uns trocos. E não, não foi o dinheiro do tabaco num mealheiro inviolável, foi a capacidade de, ao fim de uma sucessão de meses, deixar ali os troquinhos esquecidos no fundo da conta. Foi uma coisa muito mais adulta, portanto.
Queremos e não queremos gastar. Aquele dilema clássico: ali parado o dinheiro não serve para nada, a vida hoje em dia é tão precária, nunca se sabe o dia de amanhã, mas… Sacode, sacode! Não vamos pensar nisso até porque tem estado tudo a correr-nos bem, temos sido boas pessoas, temos a Segurança Social em dia, o Visa está completamente pago – tudo milagres – temos vindo a tornar-nos autênticos mestres da economia doméstica, da finança mais rasteira e dos cupões, das promoções e dos cartões, que aquele dinheiro ali sabe aos envelopezinhos do Natal, é um bónus, e nós merecemos, porra! E porque já ninguém desliga o computador, mas só lhe baixa a tampa ou o deixa a dormir, ali está aquele separador aberto entre o email e o Facebook e uns artigos de jornais online, aquele separador com qualquer coisa que queremos muito e que noutra altura, não fossem os tostões poupados, nem sequer nos atreveríamos a olhar. Nem na internet.
No meu caso, eram uns sapatos. Passaram duas semanas entre o separador e os favoritos, até começar a ver que o meu número estava 'low in stock' e que o melhor era atirar-me de cabeça para a compra dos ditos cujos e parar de uma vez por todas com esta ansiedade. Como eu, milhares de pessoas vivem aterrorizadas com os gastos ditos desnecessários, muito necessários para quem vive numa sociedade de consumo.
Momento Monopólio cartão do AZAR: tinha eu o dito separador aberto, estava nesse preciso momento a inserir a morada correcta para o envio dos meus tão merecidos sapatos, quando descobri pelo meu marido que o meu carro desaparecera. Uns telefonemas depois e descobri que já tinha sido rebocado há um par de dias por obra dessa instituição que nem vale a pena nomear, mesmo da porta de minha casa, uma das inúmeras zonas de Lisboa em que o espaço público foi loteado e se divide agora entre um parquímetro e o estacionamento exclusivo para residentes com dístico, que é o meu caso, mas que quase nunca interessa muito.
Baixei a tampa do computador, peguei na carteira e lá fui eu em busca do carro rebocado.
Enquanto pagava a multa (que está a ser contestada, porque eu contesto tudo e neste caso até tinha razão), pensei nos troquinhos do fundo da minha conta, no trabalho que me deram a juntar e no mal empregues que foram. Pensei em como a rapidez com que se paga uma multa (que é um desgosto) é tão maior que a rapidez com que se compram os sapatos (que é uma alegria na sociedade de consumo), que até eram mais baratos que a multa e que agora já não há para o meu número.
A julgar pela campanha de terror mediático, pela carga fiscal absurda e pelo que está sempre a vir por aí, que nunca é coisa boa, a economia portuguesa tem estado a dar-nos uma grande lição: ensina-nos a vender o almoço para comprar o jantar. É uma pescadinha de rabo na boca. Quando há dinheiro para a pescadinha, claro está.
joanabarrios.com