Atlantismo

O que é hoje, geopoliticamente, o espaço Atlântico? A Carta do Atlântico, o Tratado do Atlântico (Norte), a própria NATO, no seu nome e no seu acrónimo, indicavam e delimitavam um âmbito político-geográfico. Era o mundo Euroamericano (Europa Ocidental, Estados Unidos, Canadá), uma comunidade de defesa militar contra o perigo então presente e imediato da…

À volta da contenção da URSS compôs-se uma definição ideológica, aplicável às democracias liberais. Mas aceitavam-se entorses, pois a essência era outra – a luta anticomunista. O Portugal autoritário de Salazar foi, desde a sua admissão, membro de pleno direito; a Grécia e a Turquia, nos seus períodos intermitentes de regime militar, nunca foram afastadas ou convidadas a afastar-se. A ideia de defesa contra um inimigo comum e poderoso era mais importante do que a correcção ideológica.

Hoje, passada a Guerra Fria, procura-se um conceito e contexto diferentes, mais abrangentes, do espaço atlântico, que se abre a Sul. Marrocos, um país que é um Estado nacional atlântico, mediterrânico, magrebino e africano, tem sido um elemento dinamizador desta renovação do atlantismo.

Marrocos tem conseguido resistir à onda de radicalização político-religiosa da região – graças também a uma monarquia constitucional com as características especiais da autoridade religiosa do Rei, como 'comendador dos crentes'. Radicalização essa que atirou a Líbia para a fragmentação caótica e mantém a Tunísia numa grande instabilidade política, com acções terroristas, como agora, na véspera das eleições. E a reacção a esta radicalização levou ao poder os militares no Egipto e alimenta a 'democracia vigiada' argelina.

Reconstituir um conceito atlântico operacional passa por identificar uma qualquer vizinhança, encontrar um denominador comum, uma identidade partilhada entre os países da bacia atlântica, que são hoje mais de cinquenta – entre a América do Norte, a América do Sul, a Europa e a África e ainda as ilhas e arquipélagos. Entre eles, há grandes potências, como os Estados Unidos, potências emergentes, como o Brasil, mais os poderes da velha Europa e os novos poderes da África subsaariana – a Nigéria, Angola e a África do Sul; há alianças cruzadas, mas também rivalidades e tensões com enormes diferenças de História e de renda.

Criar aqui uma Comunidade não é fácil, mas todos estes países têm religiões inspiradas nos monoteísmos do Livro e se cruzaram nas migrações interatlânticas – embora uns de motu proprio, outros levados contra a vontade, como mercadoria. Hoje, juntam-nos os perigos e crises a despistar e combater: o crime organizado na droga, na pirataria, no terrorismo; as epidemias, como o ébola; a protecção das plataformas marítimas, dos recursos da pesca e da energia.

A discussão destes temas foi o que ocupou o encontro Atlantic Dialogues, organizado pelo German Marshall Fund e pela OCP. Um encontro importante e esclarecedor, no caos emergente destes dias.