Bruno de Carvalho: O ‘José Sócrates’ de Alvalade?

1.    O actual Presidente do Sporting veio provocar uma verdadeira ruptura com o estilo de liderança habitual nos últimos (largos) anos no clube de Alvalade. Os Presidentes do Sporting distinguiam-se dos líderes de Benfica e Porto por um estilo mais contido, mais diplomático, de concertação e não de confronto. 

Exceptuando Godinho Lopes – que na recta final do seu mandato evidenciou uma errância total, inclusive no que concerne à equipa técnica, com mudanças sucessivas, com excepção de Jesualdo Ferreira que aguentou num momento particularmente complexo a equipa -, os últimos Presidentes leoninos revelaram sempre uma confiança à prova de bala, até ao último momento, aos treinadores por si escolhidos. No fundo, as últimas presidências do Sporting filiaram-se na linha aristocrática, elitista, que muitos dizem constituir a matriz identitária deste clube lisboeta. Enquanto Benfica e Futebol Clube do Porto eram clubes mais populares, de massas – o Sporting distinguiam-se pelo seu “bom gosto”, pela sua “simpatia”, pela aplicação das regras constantes do “Livro de Ensinança da Arte de Bem Cavalgar a Toda a Sela”.  

2.    A falta de êxitos desportivos conduziu, no entanto, à vontade dos adeptos do Sporting de romper com a linhagem aristocrática, patrocinada durante muito tempo pelo BES, escolhendo um perfil de Presidente que personifica a negação daquele elitismo: Bruno de Carvalho. Bruno de Carvalho fez uma carreira longa nas estruturas internas do clube, sempre cultivando um contacto próximo e constante com os adeptos, com as claques de apoio ao clube leonino, cedendo à emoção e desvalorizando a razão. 

3.    Bruno de Carvalho é, pois, um “descamisado”, o líder que vem das “camadas populares”, dos “oprimidos”, disposto a resgatar o Sporting do poder opressivo das “elites”, do “burguesia”, do “poder financeiro”. Bruno percebeu que para conquistar a liderança sportinguista teria de construir uma narrativa marxista, de “luta de classes”, entre “bons” e “maus”. Quem é o árbitro para Bruno de Carvalho, isto é, quem tem a última palavra sempre? Os adeptos. As claques de apoio ao Sporting. 

4.    Bom, esta estratégia é muito eficaz do ponto de vista da eficácia eleitoral e de popularidade entre o “povo profundo” sportinguista – mas é uma estratégia muito perigosa. Não temos qualquer dúvida de que Carvalho é um Presidente populista: ao colocar a palavra decisiva nas emoções, sentimentos e percepções dos adeptos, dos grupos organizados de apoio ao Sporting, Bruno de Carvalho faz desaparecer a intermediação racional (de racionalidade decisória), de ponderação e lucidez que está associada às estruturas de poder. 

5.    Que dizer da estratégia de Bruno de Carvalho? É uma estratégia perigosíssima. Porque as massas, as claques de adeptos, as concentrações difusas de simpatizantes leoninos são levadas exclusivamente por emoções, sentimentos e instintos do momento: elevam aos píncaros a equipa quando ganha; apupam e criticam severamente a equipa quando perde.  Não há meio termo: não há um termo lógico, coerente, racional. Por outro lado, estas “massas populares” leoninas não são responsáveis perante ninguém – já Bruno de Carvalho é responsável perante os adeptos, perante os sócios do clube, perante a sociedade em geral. Um Presidente de um clube de futebol não poderá utilizar esse seu estatuto privilegiado – um verdadeiro estatuto de poder, face à importância do futebol nas sociedades actuais – para exteriorizar um “discurso de ódio”, um discurso que venha criar divisões artificiais entre a Nação Portuguesa, que promova a violência. 

6.    Pois bem, o Presidente do Sporting já é um refém da sua própria estratégia: ao criticar duramente, em público, a sua equipa, Bruno de Carvalho mostrou que ainda não é um líder forte. Um líder forte não abandona as suas tropas em momentos difíceis: pelo contrário, motiva-as, condena, censura, mas mostra força. Internamente – não através dos jornais e das televisões.  

7.    Ao criticar tão duramente a equipa, embaraçando-a em frente à opinião publica, Bruno de Carvalho deu um sinal inequívoco que tem perfeita noção de que, para sobrevier politicamente, nunca poderá tomar decisões que contrariem as claques, a vox populi sportinguista. Mesmo que tais decisões sejam contrárias ao interesse superior da organização. Parece que Bruno de Carvalho se quer tornar no José Sócrates de Alvalade. 

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