Haja pudor!…

Um obscuro ex-secretário de Estado de um Governo de José Sócrates lembrou-se de informar os media da intenção de escrever ao Presidente da República, a defender que o seu antigo primeiro-ministro seja condecorado.

A iniciativa encontrou, como de costume, eco imediato na comunicação social e não faltaram as carpideiras a juntarem-se ao lamento de Ascenso Simões, o incomodado autor da carta anunciada.

Descontada a originalidade de vermos correspondência citada nos jornais antes de ser lida pelo destinatário, nota-se que a recente vitória interna de António Costa no PS está a despertar, como era de prever, o reaparecimento, em força, dos devotos de Sócrates.

Andavam escondidos e agora almejam reabilitá-lo à pressa, seja à conta da 'medalha de ouro' da Covilhã – terra grata àquele seu filho pelos projectos de inesquecíveis casinhas, semeadas pela vizinha Guarda -, seja exigindo agora a Cavaco que imponha as insígnias de relevantes serviços públicos a quem conduziu o país ao limiar da bancarrota.

Queixa-se o ex-governante, sem corar – já acolitado por Manuel Alegre -, de que Sócrates não é menos do que os outros, que foram igualmente agraciados pelo facto de terem um dia ocupado o lugar de primeiro -inistro.

Admita-se que houve quem recebesse a distinção com menos mérito do que outros. Mas não há memória de um primeiro-ministro que tivesse deixado o país tão de rastos – ajoelhado diante da troika -, como se viu com José Sócrates. A menos que se queira condecorar o desastre.

Ora, como o próprio Ascenso Simões reconhece, o chefe das Ordens “não pode promover o abastardamento das mais altas condecorações da Nação”.

Espera-se, por isso, que Cavaco Silva tenha a frontalidade de romper com a tradição, que nada obriga, e não colabore na farsa que começou a ser montada no Município da Covilhã. Por uma questão de elementar pudor político. E de dignidade institucional.

Mas o impudor parece ter despertado em várias almas socialistas.

Conta-se, sem desmentido, que outro ex-governante de Sócrates, o inefável Manuel Pinho, promete avançar com um processo judicial contra o BES para receber uma reforma antecipada no valor de dois milhões de euros, que, alegadamente, lhe terá sido prometida por Ricardo Salgado, numa carta de conforto.

Adiante-se que Manuel Pinho recebia um salário mensal bruto de 39 mil euros (reduzido agora, draconianamente, pelo executivo do Novo Banco) como administrador de uma holding sem actividade, a BES África.

É mais um exemplo da gestão pródiga do ex-líder do Grupo Espirito Santo, que sabia distinguir os seus fieis. Sobeja, todavia, a dúvida sobre se a carta de Ricardo Salgado vale os dois milhões reclamados por Pinho.

Com o colapso do BES – e a família Espirito Santo num caos -, resta ao ex-ministro o recurso aos tribunais. Mandaria o recato outra atitude. Mas, como se viu nas inesquecíveis cenas parlamentares – que ditariam a sua queda como ministro -, o bom senso é algo que nem sempre o acompanha.

Talvez num destes dias tenha a sorte de um abraço público de Mário Soares, a dizê-lo injustiçado, como se viu com Isaltino Morais…