Em entrevista ao Sol, Letria revela, desassombradamente, que não teve sequer um convite durante todo este tempo: “Nestes 17 anos ninguém se preocupou em pensar 'como é que aquele tipo come? O que faz da vida? E a família?'. Ninguém se preocupou. Nunca ninguém me perguntou se precisava de alguma coisa”.
Esta frontalidade continua a ser rara em Portugal; o país é tão lesto a construir heróis como a abandoná-los; e os abandonados, imbuídos do espírito de humilhação às aparências que continua a dominar a formação da alma nacional, acatam e calam.
Caso voltem a ressurgir socialmente, dirão que andaram a fazer outras coisas – sempre vagas e com uns fumos de prestígio – e nunca por nunca ser recordarão em voz alta a solidão e o desamparo (emocional e material) a que foram votados.
Joaquim Letria pagou o preço da sua independência, como ele próprio esclarece: “Digo tudo, como os malucos”.
Ao longo dos anos, tenho-me perguntado muitas vezes o que seria feito dele – querendo imaginar, também eu, à portuguesa, que este brilhantíssimo jornalista teria deixado os ecrãs e as páginas dos jornais por vontade própria.
Parece-me evidente que o desprezo pela sabedoria dos jornalistas mais velhos tem contribuído muito para a crise da comunicação social. No jornalismo lusitano não há carreiras, só voos charter de curta duração.
A memória atrapalha estes tempos de aceleração e submissão; não interessa nada aos políticos e empresários que definem as prioridades informativas tropeçar em gente capaz de recordar todos os passos da História recente e, por conseguinte, fazer perguntas incómodas.
Também não interessa aos jovens turcos dos novos media, nascidos no templo dourado da Ciência Económica, perder tempo com gente antiga e filosofante, incapaz de prestar a reverência devida aos grandes motores do futuro radioso que são os mercados e as novas tecnologias.
Numa Inglaterra ou nuns Estados Unidos da América, Joaquim Letria seria hoje jornalista-âncora de um grande canal televisivo, com um programa de entrevistas ou debates. Aqui, depois de quase duas décadas de ostracismo, tem agora uma rubrica num programa da tarde. Depois queixem-se das audiências. Os independentes são muito imprevisíveis, como argutamente assinalou há anos Jorge Coelho – mas o público, para desgosto dos previsíveis chefes, gosta de imprevisibilidade.
Também Maria Antónia Palla narra inúmeros episódios de embate com dogmas e hierarquias, curiosamente mais ferozes no pós 25 de Abril do que no tempo da ditadura.
A luta contra a censura explícita unia as pessoas e tornava a paisagem mais clara. A democracia custa a desenhar – e a liberdade encontra sempre menos amigos do que o medo ou a vontade de bem cavalgar em toda a sela.